quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Alves Redol. Barranco de Cegos. «Um romancista de tese, é um homem envolvido numa cadeia ou num bordado de eventos, um homem incluído, quer queira quer não, numa tonalidade psicológica que dá o movimento e ritmo a um bailado de campinos, proprietários, maiorais, toiros, cavalos, mulheres fortes e dramáticas, raparigas românticas e perturbadas por estranhas contradições»

(1911-1969)
Vila Franca de Xira
No seu centenário de nascimento
Cortesia de portugáliacontemporanea

 Cortesia de dn

«Sabe crescer quem pode evoluir. E pode evoluir quem é capaz de renovar métodos os, processos e temas, de modo a superar-se em amplidão de perspectivas e enriquecimento de caminhos. É o caso de Alves Redol, o vigoroso romancista de livros muito discutidos que fizeram época, como «Gaibéus», «Avieiros», «Fanga» ou «Porto Manso». (...) Porventura a melhor qualidade de Barranco de Cegos, (...) é um livro vago, abstracto, irrepreensível em termos de rigor, mas presente em cada situação, em cada acontecimento, em cada diálogo deste fresco que nos mostra a lezíria e o seus fantasmas, a lezíria de há um século, rediviva na memória mística, emocional e colectiva do romancista. (...) Redol, antes de ser um romancista, e um romancista de tese, é um homem (...) envolvido numa cadeia ou num bordado de eventos, um homem incluído, quer queira quer não, numa tonalidade psicológica que dá o movimento e ritmo a um bailado de campinos, proprietários, maiorais, toiros, cavalos, mulheres fortes e dramáticas, raparigas românticas e perturbadas por estranhas contradições. O que impressionada, neste romance, não é o antagonismo ou a dialéctica de personagens, de tipos ou de classes, mas ao contrário, uma identificação, que a terra mais propicia e estimula. (...) Se o Cavalo Espantado nos revela um romancista voltado à análise psicológica de uma situação dada, Barranco de Cegos apresenta-nos o amadurecimento de quem já poder para manejar os mais diversos tipos humanos, na sua evolução no tempo, no seu diálogo e na sua dialéctica. (...) Queremos dizer que Alves Redol acaba por superar Alves Redol». In António Quadros, Neo-Realismo em evolução, «o Cavalo Espantado» e «Barranco de Cegos», de Alves Redol em Crítica e Verdade (1964).




Barranco de Cegos, romance de 1961, é considerada a "obra-prima de Alves Redol", expoente do neo-realismo em Portugal. A obra acaba por ser a biografia de uma personagem real, mas fundamentalmente simbólica de um potentado ribatejano, cuja história Redol relata a partir de 1891, ano da revolta republicana no Porto. Barranco de Cegos faz parte de uma fase que começou com “A Barca dos Sete Lemes” e em que a intervenção política e social é posta em segundo plano, dando lugar a uma centralização nas personagens e na sua evolução psicológica.
Diogo Relvas, protagonista que desencadeia a narrativa, é um latifundiário de pensamento bucólico, que não concorda com os avanços industriais, que impõe suas leis para todos a sua volta.

A narrativa é caracterizada por uma ordem cronológica, e também por um tempo histórico, pois é passada em um momento de crise em 1891, “O Banco Lusitano já rachara pelo meio (...)”. É composta por um espaço social, isto fica evidente na descrição do espaço político e económico da época, “A corrida ao dinheiro prosseguia, alucinada. Lutava-se, a murro, por moedas de ouro à porta dos banqueiros ou por um lugar nas bichas das tesourarias(...)”. Retrata as diferenças que existem entre as classes sociais, as condições de trabalho, e do espaço da grande cidade em relação ao espaço e rural, tudo isto com um forte tom de denúncia.

Cortesia de mariamoraisinterdinamica


Redol coloca-nos em situações adversas em sua obra. Traz um Portugal que está inserido em um contexto político de mudança brusca e instabilidade econômica e que vai culminar na crise de 1891. Apresenta a divisão existente dentro da burguesia entre os liberais e absolutistas, republicanos e monárquicos, rurais e urbanos. Há, portanto, uma preocupação em mostrar que não existe uma única visão sobre os fatos mesmo sendo participante de um mesmo grupo social ou passando por uma questão em comum. Acima de todos os aspectos sociais que a obra possa ter, Redol coloca como um dos pontos em evidência as desventuras de uma família que com os passar das gerações vai se tornando mais distante.
Deste modo, Barranco de Cegos conta a trajectória dos Relvas, abastados lavradores com propriedades em Ribatejo e Alentejo. A história tem seu início com o funeral de Rui Araújo, genro de Diogo Relvas e está inserido na crise financeira de1891, o colapso de economia portuguesa, onde logo após o enterro Diogo se reúne com os poderosos de Aldebarã para achar um meio de fazer pressão sobre o Governo, obrigá-lo a escolher a lavoura que sempre foi um meio seguro aos investimentos duvidosos da indústria. Depois Somos situados a Torre dos Quatro Ventos, lugar no qual Diogo conversa com seus antepassados. Sente-se o crescimento do ideal republicano e a queda do poder de Diogo Relvas é inevitável. Desamparado e sem prestigio na vila vai morrer na Torre, sozinho, sem que ninguém saiba será embalsamado. Só depois de um acidente é que se descobre a verdade sobre o mito de 110 anos de vida de Diogo Relvas.almanaquesilvawordpress

“Foi então que certo gato lírico resolveu oferecer à gata amarela um pássaro vivo. Tinha a certeza de que ela gostaria de apanhar um entre as patas. Cheia de ardis, fingiu-se morto no telhado sobre o qual se erguia a torre, lugar predilecto de toda a passarada da floresta. Os beirados estavam cheio de ninhos e de trinados. Já amarinhara ao coruto, estendera a pata vezes sem conta e nada conseguira. Mas o gato lírico não desistia do projecto. E numa manhã de Janeiro, ainda por cima cheia de sol ameno, já medidos e estudados todos os movimentos da passarada vadia, o gato estendeu-se no telhado, serrando os olhos. Pouco a pouco, uns pardais afoitos quase lhe tocaram nas asas brincalhonas. Vinham em grupos, primeiro; depois chegaram-se outros; e um deles, sózinho, gordo, podia dizer-se correu sobre o beirado, debicou umas ervas nascidas por ali, e voltou-se para os lados da mata, querem cantar também. O gato descerrou mais os olhos, mediu bem a distancia e lançou-se num salto. Espavorido, o pardal abalou rente às telhas, batendo as asas com frenesi, e foi tocar num dos vidros da torre, julgando que tinha o espaço livre à sua frente. Cego também, o gato deduziu mesmo. E como não dispunha de meios para voar e o corpo lhe pesava de mais, enfiou a cabeça por um vidro grande e achou-se dentro do mirante. Ainda o coração não se refizera do susto, deparou-se-lhe a figura imponente do lavrador, sentado na cadeira onde o caruncho roía, roía… Pareceu-lhe vê-lo erguer-se e com três saltos saiu por outra janela, estilhaçando mais um vidro. Devagar, aproximou-se do sítio onde jazia o pó deixado por Diogo Relvas e pegou cuidadosamente nos farrapos da jaqueta e da calça sevilhana. Abriu uma das janelas, olhou à volta e resolveu-se a sacudir o avô, deixando que a brisa da tarde pegasse naquela poeira fina e branca. Tão branca e tão fina que uma espécie de nevoeiro começou a serrar-se à volta dos limites de Aldebarã, envolvendo-a com o manto espesso de uma noite estranha e alva na qual voavam abutres, pronto a acometer quem viesse perturbar a doce paz dos lagartos de loiça”.

Cortesia de gloria

Trata-se de um romance do neo-realismo português escrito e publicado em 1962, Barranco de Cegos é contado em três livros: “Horas Plenas”, “Horas Amargas” e “Horas Absurdas”. Tem uma estrutura com pequenos capítulos. Usa a crise de 1891 como cenário para a narração, percebendo-se que há uma preocupação com a descrição deste espaço político. Expõe as condições de vida e de trabalho da classe rural de Ribatejo. O titulo é retirado da epígrafe de S. Mateus ("Deixai-os; cegos são e condutores de cegos; e se um cego guia a outro cego, ambos vêm a cair no barranco"). O próprio autor afirma que o papel de sua obra, não se limita à literatura, ou à arte pela arte mas que tem a intenção de fornecer uma utilidade para a sociedade. Podemos perceber isto quando ele afirma que: “A arte deve contribuir para o desenvolvimento da consciência e para melhorar a ordem social.”». In Wikipédia

Cortesia de madresilva

Cortesia de António Quadros e Wikipédia/JDACT