domingo, 11 de dezembro de 2011

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Mas as reivindicações de Diego no tocante a Braga não são atendidas pelo Papa. A perda das relíquias devia ser uma espécie de preço com que Geraldo pagava o domínio incontestado sobre a sua diocese. Esta viagem foi um grande êxito para Braga e Portugal. Pascoal II deitou contudo alguma água no vinho preparado por Braga»


Cortesia de uc

«Mas no ponto de vista político esta disposição era para Portugal de maior transcendência, uma vez que Coimbra era a cidade mais importante de Portugal e que por estar perto da fronteira muçulmana, tinha o maior futuro. As conquistas vindouras deviam forçosamente irradiar dali, e, se este bispado e suas dependências ficassem sob o domínio do reino vizinho, haveria pouca probabilidade de formação duma igreja portuguesa. A cúria, que em geral conserva com energia a antiga divisão eclesiástica oriunda do esquema provincial do antigo império romano, fez nisto uma excepção em favor da situação política existente.

Em virtude da importância da diocese de Coimbra, Geraldo fez com que o papa lhe entregasse um mandato especial para o bispo daquela cidade, recomendando ao novo sufragâneo a obediência para com o novo metropolita. Adoptou a mesma medida para os bispos Gonçalo de Mondoñedo e Pelágio cle Astorga, a quem mandou entregar Dume, Ledra, Aliste e Bragança, pertencentes a Braga. Além disso o Papa entregou a Geraldo uma carta de recomendação redigida nos mais elogiosos termos e destinada ao conde Raimundo da Galiza. Todas estas cartas, datadas de 1 de Abril de 1103, se conservam ainda.

Diego de Compostela recebeu ao mesmo tempo outro breve, que tem um interesse especial. Não há dúvida que já naquele tempo Diego gozava duma certa reputação junto da cúria, porque Pascoal o trata com bastante condescendência. Não se refere directamente ao roubo das «relíquias» que considera facto consumado, limitando-se a fazer alusões ligeiramente reprovativas.

NOTA: A viagem do Geraldo a Roma em 1108 é confirmada também por um documento do “Liber Fidei”. A última menção que se faz de Henrique, é de 10 de Fevereiro de 1108 em Cea (Santiago, Arquivos do capítulo), se pôs a caminho pouco depois desta data, podia já ter estado em Roma nos fins do Março. A favor da sua presença na corte papal fala também o facto de Geraldo ir munido de uma carta de recomendação para o conde Raimundo da Galiza, não sendo por outro lado conhecida nenhuma carta do mesmo género para Henrique. Os ‘gesta vetera’ citados neste documento são manifestamente a chamada “Chronica de Braga” do «Liber Fide» que não é propriamente uma crónica mas uma notícia documental. É de supor quo o arcebispo Geraldo a tivesse mandado redigir para a sua viagem a Roma. Em qualquer caso a sua larga concordância com o diploma de Pascoal não pode atribuir-se ao caso.

Mas as reivindicações de Diego no tocante a Braga não são atendidas pelo Papa. A perda das relíquias devia ser uma espécie de preço com que Geraldo pagava o domínio incontestado sobre a sua diocese. Esta viagem foi, em suma, um grande êxito para Braga e Portugal. Pascoal deitou contudo alguma água no vinho preparado por Braga.

Cortesia da uc

No privilégio solene do pálio não concedeu a Geraldo o título de arcebispo, mas contentou-se com nomeá-lo «bispo da metrópole de Braga». Comparando esta disposição com a linguagem de Gregório, pode concluir-se que a não concessão do título de arcebispo significava a submissão à autoridade dum primaz, neste caso o arcebispo de Toledo. Desde que Bernardo de Toledo recebeu, no ano de 1093, a dignidade mais alta de legado pontifício, o seu poder primacial foi relegado para segundo plano. Mas a dignidade de legado só se estendia à sua pessoa e podia ser sempre retirada, enquanto o primado da sua igreja passava automaticamente para o sucessor. Assim como era então incontestável a supremacia de Castela sobre Portugal, Pascoal entendeu que devia conservar, em princípio, o domínio de Toledo sobre Braga.

O essencial era, porém, que estavam agora reconhecidos os direitos de Braga sobre toda a Galiza e Portugal. O princípio da agregação de Portugal a Roma estava assim consumado. Na inclusão da Hispânia na igreja romana havia quatro pontos decisivos:
  • A estrutura hierárquica de todo o clero com o papa como cabeça;
  • O rito romano;
  • O direito matrimonial canónico;
  • E a organização dos mosteiros dirigidos pela cúria com a criação de mosteiros próprios do papa.
É natural que a atitude do clero dependesse em primeiro lugar do episcopado. Além de Geraldo, foi Maurício de Coimbra quem, em 24 de Março de 1101, recebeu um privilégio do papa. Sabemos também que estes dois bispos celebraram as ordenações segundo a «consuetudo Romana» e a observância do rito romano no culto não pode ser posta em dúvida visto tratar-se de franceses. Em questões de direito matrimonial conhecemos uma decisão de Pascoal II dirigida em primeiro lugar a Geraldo; e a ‘Vida’ deste prelado menciona expressamente a sua repressão de matrimónios «incestuosos». Só a organização dos conventos não era ainda ideal em Portugal, e a Santa Sé não possuía ainda mosteiros próprios.

Cortesia de uc

Comparando todo este processo, não se pode deixar de notar que a agregação de Portugal a Roma se deu, ao contrário do que sucedeu na Espanha, em virtude da iniciativa dos portugueses e não do papado. Isso pode explicar-se pelo carácter de Pascoal II, menos largo e mais passivo que o seu predecessor. Mas a cúria bem podia, no caso de Portugal, observar certa reserva e esperar que os portugueses se lhe dirigissem. Depois de Gregório VII e Urbano II terem estabelecido e fortificado a sua autoridade em Castela, centro dos países hispânicos, por meio de medidas sensatas, era inevitável que a pequena região do ocidente procurasse, no seu próprio interesse, o contacto com Roma, Pascoal pôde colher o que o seu predecessor havia semeado». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/Universade de Coimbra/JDACT