segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Cartas Portuguesas. Soror Mariana Alcoforado. «Adeus, mais uma vez! Escrevo-te estas cartas longas de mais; não tenho suficiente respeito por ti, e disso te peço perdão. E ouso esperar que usarás de alguma indulgência para com uma pobre insensata que o não era, como muito bem sabes, antes de te amar»

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… um amor tão desconforme como o que é a alma dessas famosas Cartas Portuguesas. Ilustração de José Ruy

'Conclusão' da Terceira Carta
«Enfureço-me contra mim própria quando penso em tudo quanto te sacrifiquei: perdi a minha reputação, expus-me ao furor dos meus parentes, à severidade das leis deste país contra as religiosas e à tua ingratidão, que me parece a maior de todas as desgraças.
No entanto, sei bem que os meus remorsos não são verdadeiros e que, do fundo do coração, desejaria ter corrido por amor de ti perigos ainda maiores. Tenho um prazer fatal em ter arriscado a minha vida e a minha honra: mas não deveria estar ao teu dispor tudo o que tenho de mais precioso? E não devo estar contente por o ter empregado como fiz? Até me parece que ainda não estou satisfeita nem com as minhas dores, nem com o excesso do meu amor, embora não possa, ai de mim, vangloriar-me de estar contente contigo.

Ilustração de José Ruy
Cortesia de peuropaamerica

Estou viva, infiel que sou!, e faço tanto para conservar a minha vida como para perdê-la! Ah!, morro de vergonha! O meu desespero estará então apenas nas minhas cartas? Se te amasse tanto como mil vezes te tenho dito, não teria já morrido há muito tempo? Enganei-te!, e és tu que te deves queixar de mim. Ai de mim! e porque o não fazes? Vi-te partir, não posso ter esperança de te ver voltar, e, no entanto, respiro! Enganei-te, afinal, e peço o teu Perdão.
Mas não mo dês! Trata-me com severidade! Não aches que os meus sentimentos têm violência bastante! Sê mais difícil de contentar! Ordena-me que morra de amor por ti! Conjuro-te a que me dês este socorro, a fim de que vença a fraqueza do meu sexo e acabe com todas as minhas indecisões por um acto de verdadeiro desespero. Um fim trágico, obrigar-te-ia, sem dúvida, a pensar muitas vezes em mim. A minha memória ser-te-ia cara, e talvez fosses sensivelmente tocado por uma morte fora do comum. Não valerá mais a morte do que o estado a que me reduziste?
Adeus! Bem gostaria de nunca te ter visto! Ah! Como sinto a falsidade deste sentimento e vejo, neste preciso momento em que te escrevo, que gosto bem mais de ser desgraçada amando-te do que gostaria de nunca te ter visto! Aceito, pois, sem lamentações a minha triste sorte, já que tu a não quiseste tornar melhor.

Adeus! Promete que me lamentarás com saudade se eu vier a morrer de dor! E que ao menos a violência da minha paixão te tire o gosto e te afaste de todas as coisas. Essa consolação me bastará, e, se é preciso que te abandone para sempre, bem gostaria de não te deixar a uma outra qualquer. Não seria uma crueldade sem par da tua parte servires-te do meu desespero para te tornares mais amável e para mostrar que provocaste a maior paixão do mundo?

Ilustração de José Ruy
Cortesia de peuropaamerica

Adeus, mais uma vez! Escrevo-te estas cartas longas de mais; não tenho suficiente respeito por ti, e disso te peço perdão. E ouso esperar que usarás de alguma indulgência para com uma pobre insensata que o não era, como muito bem sabes, antes de te amar.
Adeus! Parece-me que falo de mais no estado deplorável em que me encontro. No entanto, do fundo do coração te agradeço o desespero que me causas, e detesto a tranquilidade em que vivi antes de te conhecer. Adeus! A minha paixão aumenta a cada momento! Ah!, quantas coisas tinha ainda para te dizer!....». In Soror Mariana Alcoforado, Cartas Portuguesas, texto da primeira edição francesa de 1669, Europa América, 1974.

Cortesia de P. Europa-América/José Ruy/JDACT