segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Do Iluminismo Pombalino à afirmação arquitectónica romântica em Portugal. António Santos Leite. «… tradicionalmente ligado à valorização de uma aristocracia de corte, e a valorização de uma burguesia liberal e a posterior ruptura política com o “iluminismo pombalino”, que, pela reacção conservadora da “viradeira”, não perduraria o seu ímpeto após o afastamento do seu principal promotor»

Plano da Baixa Pombalina, terceiro quartel do século XVIII
Cortesia de wikipedia e jdact

«Embora possa surgir como um contexto circunstancial, à semelhança do que vinha acontecendo um pouco por toda a Europa, também em Portugal começou a fazer-se sentir uma crescente afirmação burguesa de carácter iluminista, afirmação que encontrará, pelo menos em parte, resposta na ambígua política promovida pelo marquês de Pombal (1699-1782) a partir de meados do século XVIII. Esta política, despótica mas programaticamente esclarecida, veio reformar a anterior estabilidade e hierarquização da vida nacional e da sua corte, iniciando, apesar de se fundamentar sobre uma ordem absoluta, uma transição voluntariosa entre a anterior ordem de fundamentação aristocrática e clerical e uma nova sensibilidade social, que implicava a ...afirmação plena do individualismo, a perspectivação teórica da liberdade, o entendimento do progresso como eixo de uma teleologia liberal..., que a começava a transformar estruturalmente, processo que fundamenta a emergência da sociedade burguesa que se assumirá com os novos regimes liberais e capitalistas. As reformas, promovidas paradoxalmente pela iniciativa régia através do seu principal ministro, começaram a levar a efeito uma ruptura inconciliável entre a antiga aristocracia de corte, de clara vocação barroca e com limitadores preconceitos de classe, e uma nova elite burguesa promovida pelos lucros de actividades ligadas à prática comercial e ao transporte marítimo com os territórios ultramarinos; processo que será politicamente acentuado pela dinâmica de mudança implícita à destruição / reconstrução económica e social permitida pelo grande terramoto de 1775.


Gravuras do terramoto de 1755, Eugénio Santos
Cortesia de wikipedia e jdact

De facto, a acção devastadora provocada por este acontecimento veio alterar profundamente o equilíbrio de forças até então existente; o descrédito na valorização do divino e a urgência de uma intervenção rápida e eficaz veio servir de argumento à obtenção de plenos poderes por parte do marquês de Pombal, bem como a destruição física da Capital do Reino e do Império, permitiu a oportunidade efectiva da construção de um novo mundo racionalizado e burguês, que se conformaria numa nova cidade que rejeitava espacialmente a anterior hierarquização religiosa, afirmando programaticamente como centro simbólico uma praça real que, simultaneamente, era agora também assumida como a praça do comércio. Na verdade, a cidade iluminista promovida pela vontade do marquês e pelo risco dos seus engenheiros militares veio transformar o palco central dos acontecimentos da vida portuguesa, refundando-a e regrando-a sobre uma uniformização que estruturava corporativamente as profissões e negava a anterior predomínio urbano dos edifícios religiosos e aristocratas, à excepção, como é evidente, da figura única e absoluta do seu rei. No entanto, neste processo de reestruturação social que implicou uma nova concepção do espaço urbano, dois factos tendem ainda a revelarem-se como incontornáveis; a ambiguidade e anacronismo existente entre a afirmação simultânea de um poder absoluto, tradicionalmente ligado à valorização de uma aristocracia de corte, e a valorização de uma burguesia liberal e a posterior ruptura política com o iluminismo pombalino, que, pela reacção conservadora da viradeira, não perduraria o seu ímpeto após o afastamento do seu principal promotor.
Para além dos efeitos da acção reformadora pombalina, feita ambiguamente de progresso, contradição e retorno, retorno esse que é paradigmaticamente afirmado pela barroca Basílica da Estrela, (iniciada em 1779, portanto apenas dois passados do inicio do reinado de D. Maria I, o complexo conventual da Estrela, dedicado ao culto do Sagrado Coração de Jesus, pode ser interpretado quer pela sua específica implantação urbana, quer pela linguagem arquitectónica utilizada na sua formalização, pode ser interpretada como um retorno anacrónico a um tempo pré-pombalino, apresentando inevitáveis traços de correspondência com o complexo conventual de Mafra) é também fundamental para a compreensão do Portugal pré-romântico a influência dos ecos da Independência dos Estados Unidos da América e, fundamentalmente, o enorme impacto da Revolução Francesa de 1789, que proclamava liberdade, igualdade e fraternidade.


jdact

Se a proclamação da independência americana não provocou o afastamento de uma neutralidade política por parte da acção governativa da conservadora rainha D. Maria I, a progressão de violência e a ruptura social exaltada pelo processo revolucionário francês vieram instaurar junto da coroa portuguesa e da generalidade da aristocracia a ela associada o medo e uma imagem revolucionária sinónima de horror, delírio e anarquia, realidade que seria ainda acentuada pelo receio cada vez mais presente de uma possível acção libertadora por parte do novo exército revolucionário; ...o grande medo, que abala a França a partir de 1790 repercute-se à distância, não no quotidiano popular, que, salvo as excepções colhidas no meio urbano, permanece estranho ao que se passa fora do seu círculo de vizinhança, mas nas elites...

In António Miguel Santos Leite, Do Iluminismo Pombalino à afirmação Arquitectónica Romântica em Portugal, Artitextos, Lisboa, CEFA,Universidade Técnica de Lisboa, 2009, ISBN 978-972-9346-12-5.

Cortesia de UTLisboa/JDACT