quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Herculano Desconhecido. 1851-1853. António José Saraiva. «Necessita por isso de fixar bem os princípios que professa; o alvo a que pretende atingir. Franco e leal, como o povo cujo nome se apropriou; como o povo que as facções caluniam e que as paixões dos partidos só raramente alcançam desvairar…»

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(Continuação)

«Ao elaborá-lo Herculano não se dava conta da realidade que se desenrolava diante dos seus olhos, que para alguns dos seus contemporâneos era iá perfeitamente clara:
  • o capitalismo industrial e financeiro dominando a economia mundial, e integrando as economias mais atrasadas;
  • certas características dessa estrutura, em especial o papel dirigente do capital financeiro; a criação de grupos sociais vertebrados por essa estrutura económica;
  • e por fim o revestimento político desses grupos sociais, que são os partidos políticos parlamentares.
Desse imponente edifício perfeitamente articulado não teve Herculano a visão de conjunto, e apenas viu um pormenor sem compreender que esse pormenor depende da estrutura geral do edifício a que pertence. Em vez desta realidade sua contemporânea Herculano tinha presente uma certa visão da história da Idade Media portuguesa inspirada nos historiadores românticos: a estrutura rural do país na fase em que o numerário era escasso e a banca desempenhava uma função muito restrita, a organização dos concelhos, agremiações soberanas em que se organizavam, para resistir às violências da nobreza, os agricultores não nobres, dispondo de força política dentro de uma federação nacional de concelhos e senhorios, aliados, mais do que subordinados ao rei, etc. etc., todo um nundo sobre o qual tinha passado a criação do comércio e da banca europeias a partir do século XII; depois a expansão do comércio mundial com os descobrimentos do século XV; depois a revolução industrial inglesa do século XVIII; depois a concentração industrial do século XIX…

Documentos. Colaboração de Herculano n’O Portuguez
N.º 1, 11 de Abril de 1853
O Portuguez, cujas aspirações são o representar e defender os interesses das classes que constituem a força viva de nação, os verdadeiros contribuintes, os que criam os valores aonde o fisco vai buscar pelo tributo os recursos para manter a ordem social, e mover a máquina da administração pública, sai à luz em circunstâncias assaz graves e difíceis. Necessita por isso de fixar bem os princípios que professa; o alvo a que pretende atingir. Franco e leal, como o povo cujo nome se apropriou; como o povo que tantas vezes, as facções caluniam e que as paixões dos partidos só raramente e por pouco tempo alcançam desvairar, o Portuguez não lutará na arena em que se debatem os interesses de pequenos grupos, das parcialidades politicas que só parecem  importantes e grandes porque tumultuam e bradam, enquanto as verdadeiras maiorias, os que guiam a charrua ou põem em movimento o tear, atentos à voz da família que lhes pede o pão, e à do exactor que lhes pede o tributo, não têm tempo para se associarem aos dramas de ambições opostas, que, enredadas nos clubes, vêm ter o seu desfecho nas praças das grandes cidades ou no recinto das assembleias parlamentares». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.


continua
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