segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A Lenda do Graal no Contexto Heterodoxo do Pensamento Português. Almir Campos Bruneti. «… um carpinteiro da Cornualha fabrica uma mesa redonda que poderia acomodar mais de 1600 comensais ao mesmo tempo, mas que era suficientemente leve para ser transportada…»

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As Lendas Arturianas. A Matéria da Bretanha. A Evolução
«(…) A próxima etapa tem lugar com a composição do poeta normando Wace, o Roman de Brut, terminado em 1155 e dedicado à nova rainha da Inglaterra, Leonor da Aquitânia. Aqui já aparece a Mesa-Redonda à qual se deu esta forma para evitar problemas de precedência com relação à hierarquia social da corte. Esta concepção deve-se provavelmente à crença, corrente na época, de que a mesa em que Cristo e seus apóstolos 'tomaram a Santa Ceia era de forma circular, muito embora Loomis mencione uma tradição celta semelhante como núcleo possível da mesa arturiana. De qualquer forma, basta visitar as citânias galaico-portuguesas para constatar-se a preferência dada à forma circular pelos povos celtas. O poema de Wace, baseado na História de Geoffrey of Monmouth, e escrito em francês, tenta dar à lenda uma feição artística e cortês, uma vez que era destinado aos nobres da corte e produzido sob o patrocínio do rei Henrique II. Por volta de 1200 o poema de Wace é traduzido para inglês, em versão ampliada, pelo poeta Layamon que, ao contrário do primeiro, cuja característica principal tinha sido a descrição colorida da corte arturiana, vai dar ênfase especial ao aspecto dramático e emocional da história. O estilo é elaborado e os conflitos emocionais são sugeridos através do uso de símiles e do discurso indirecto. Entre as várias adições que Layamon acrescenta ao texto de Wace, uma das mais interessantes é a que se refere à Mesa-Redonda. Ele conta que durante uma cerimónia em presença do rei e da rainha iniciou-se violenta discussão a respeito de quem teria precedência sobre quem, o que levou a brigas e derramamento de sangue. Artur condena à morte o iniciador da contenda e seus parentes masculinos, e determina que se cortem os narizes a todas as mulheres da família.
Para resolver o impasse, um carpinteiro da Cornualha fabrica uma mesa redonda que poderia acomodar mais de 1600 comensais ao mesmo tempo, mas que era suficientemente leve para ser transportada a onde quer que o rei fosse. A partir desse dia nunca mais houve brigas na corte por questões de hierarquia. Esta adição parece ter origens bretãs. Com Chrétien de Troyes a lenda arturiana atinge uma expressão artística dificilmente igualada em versões posteriores. Da vida do poeta sabe-se muito pouco. Através de indicações e dados coligidos em suas obras foi possível estabelecer as décadas entre 1150 e 1190 como o provável período de sua actividade literária sob a protecção de benfeitores importantes. Do seu labor artístico ficaram-nos as seguintes obras:
  • Erec et Enide;
  • Cligès;Lancelot ou Le Chevalier de la Charrette;
  • Yvain ou Le Chevalier au Lion;
  • Guillaume d'Angleterre;
  • Perceval ou Il Contes del Graal.
Entre estes romances o Perceval sobressai-se pela característica de ser a primeira obra em que a lenda do Graal aparece ligada à corte do rei Artur. O livro divide-se em três partes:
  • uma relação sumária dos sucessos acontecidos com o herói na infância e adolescência até sua passagem pela corte arturiana e aventuras subsequentes culminando com os episódios relativos a Blanchefleur;
  • quatro episódios que tratam exclusivamente do Graal;
  • como que colocando Perceval e o tema do Graal de lado, um relato das aventuras de Gauvain.
A história do Graal fica incompleta, pois o conto é interrompido antes que o herói volte ao castelo do Rei Pescador pela segunda vez. Entretanto, ela é continuada por quatro autores distintos:
  • Um anónimo (antigamente designado como pseudo-Wauchier que acrescenta entre 9500 a 19600 versos aos 9234 usualmente aceites como de autoria de Chrétien;
  • Um segundo autor anónimo (anteriormente identificado corno sendo Wauchier de Denain) com mais 13000 versos;
  • Manessiet, ao serviço da condessa Joana de Flandres, que acrescenta 10445 versos;
  • Gerbert de Montreuil que termina com 17000 versos.
In Almir Campos Bruneti, A Lenda do Graal no Contexto Heterodoxo do Pensamento Português, Sociedade de Expansão Cultural, Lisboa, 1974.

Cortesia de SEC/JDACT