terça-feira, 29 de outubro de 2013

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «Referindo-se ao cariz sexual da influência de Pacheco sobre o futuro marido de Joana, um historiador jesuíta do século XVI escreveu: Pode suspeitar-se que grande parte desta fábula foi forjada em consideração dos reis Fernando e dona Isabel»

jdact

«(…) Um cronista castelhano contemporâneo da rainha Joana escreveria anos mais tarde de Enrique que durante estes anos da mocidade se entregou (...) a abusos e deleites dos quais fez hábito (...), de donde lhe veio a fraqueza do seu ânimo e diminuição da sua pessoa (...). Esses deleites que a mocidade costuma exigir e que a honestidade deve negar. Em finais de Julho de 1440, o rei de Aragão enviou uma carta ao conde de Barcelos e ao prior do Crato, anunciando a chegada do jovem Diego de Saldaña, escrivão de ração da rainha, nossa irmã, e pedindo-lhes que o ouvissem como se fosse ele próprio em pessoa. É provável que este futuro servidor castelhano da rainha Joana, cabeça de uma importante linhagem da nobreza portuguesa, tenha conseguido convencer a rainha Leonor a que dissimulasse, uma vez que, pouco depois da sua chegada, Leonor negociou um acordo, fingido, segundo o cronista Rui de Pina, com o infante Pedro, por meio de um antigo escrivão do falecido rei Duarte, nesse momento secretário da rainha e que mais tarde se encarregaria de administrar os bens da infanta D. Joana.
Enquanto esta simulação tinha lugar em Almeirim, onde D. Leonor residia com as suas filhas, em Castela começaram a correr rumores sobre o que não ocorrera durante a primeira noite de casados do príncipe Enrique e da sua primeira esposa, Blanca de Navarra. Segundo uma importante crónica castelhana, Blanca ficou tal qual nasceu, com o que ficaram todos muito irritados. Outro cronista real contemporâneo da rainha Joana narraria que os esposos dormiram na mesma cama e a princesa ficou tão inteira como vinha. Para Alonso de Palencia, futuro difamador da rainha Joana, os gozos de alegria dos festejos aconteceram mas sem o verdadeiro gozo do matrimónio (...). Os cortesãos começaram imediatamente a fazer circular rimas e quadras atrevidas zombando da cópula não consumada e atribuindo maior capacidade para o coito aos homens com quem Enrique se misturava. Segundo um médico do príncipe, o futuro marido de Joana sofrera, no início da puberdade, um acidente que, para além de lhe causar a deformação do nariz, lhe provocou a perda de força. De acordo com um relatório mandado realizar quando Joana já estava casada com ele, este mesmo médico declarou que, pouco depois de Enrique fazer os doze anos, descobriu que carecia de verga potente e viril, afirmando contudo que se curara posteriormente.
Alonso de Palencia, em plena campanha difamatória contra Enrique IV e a sua segunda mulher, chegaria inclusivamente a afirmar que alguns dos seus cortesãos tinham praticado sodomia para o manter sob o seu controlo. O mais conhecido deles fora, segundo o cronista palentino, um jovem nobre castelhano, descendente de portugueses exilados em Castela. Segundo palavras textuais, o que entre eles tinha mais fama de potente era Juan Pacheco, adolescente astuto que se prestava a qualquer serviço e que não respeitava nada a não ser a sua própria ascensão no poder, ainda que tivesse de o conseguir à custa de crimes impuros. Astuto, esperto e hábil, Álvaro tinha-o escolhido desde criança para servidor de Enrique, acreditando erradamente que o jovem não se desviaria um milímetro das suas instruções. Como bem conta Palencia, Juan Pacheco fora anteriormente pajem de Álvaro de Luna, a cuja casa chegara pelo seu parentesco com a segunda esposa do condestável, uma Pimentel descendente de um importante nobre português, exilado em Castela em consequência da batalha de Aljubarrota. Durante uma reestruturação do pessoal da casa real, o valido colocara o jovem Pacheco perto do príncipe Enrique, mas numa posição muito subalterna. A inteligência e a capacidade para exercer de forma convincente a adulação tinham-lhe granjeado o favor do seu senhor, seis anos mais novo que ele. Dois dias depois da boda de Enrique, Pacheco foi nomeado alcaide da fortaleza de Logroño. Esta rápida ascensão favoreceria também a carreira do seu irmão mais novo, Pedro Girón.
Referindo-se ao cariz sexual da influência de Pacheco sobre o futuro marido de Joana, um historiador jesuíta do século XVI escreveu: Pode suspeitar-se que grande parte desta fábula foi forjada em consideração dos reis Fernando e dona Isabel, os Reis Católicos. Mas não é por isso menos certo que esta personagem exercesse sobre Enrique uma poderosa influência, baseada na sua capacidade para conhecer as debilidades do carácter do seu senhor e usá-las em seu próprio benefício; trata-se de um aspecto fundamental para entender o desenvolvimento dos acontecimentos nos quais Joana de Portugal se veria implicada em Castela». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT