quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Ecos de Paris. A moderna presença de Eça de Queirós no Brasil. Adriana Mello Guimarães. «… segundo Freyre, Eça de Queirós, semelhante a um novo santo sobre os seus devotos, contribui para a unificação da elite brasileira do início do século XX. Porém, parece que não foram só os brasileiros ilustrados que leram Eça»

Cortesia de netto e jdact

«(…) Julgamos ainda conveniente recordar Monteiro Lobato que, nas suas cartas ao seu amigo Godofredo Rangel, confessa a sua admiração pelo escritor Camilo Castelo Branco, e na epístola de 7 de Dezembro de 1915 faz um alerta: acho o Eça o culpado de metade do emporcalhamento da língua no Brasil, onde o lido e o imitado é só ele, ele e mais ele. E quando fala sobre estilo literário, Lobato aproveita para criticar as imitações: fugir sobretudo da maneira do Eça, a mais perigosa de todas, porque é graciosíssima e muito fácil de imitar. Cigarro lânguido, Caneta melancólica, Tinteiro filosófico. Cumpre ressaltar, entretanto, que a imagem que desse testemunho se colhe é de uma crítica madura, onde Lobato enfatiza a impropriedade do pensamento brasileiro.
De facto, a imitação e o aproveitamento indevido dos escritos alheios foram temas debatidos em larga escala no início do século XX, no Brasil. Lima Barreto (1881-1922), no seu Diário íntimo questiona se seria saudável para o Brasil a influência dos portugueses: não é o Eça, que inegavelmente quem fala português não o pode ignorar, são figuras subalternas: Fialho e menores. Ainda no que respeita à admiração de Lima Barreto por Eça de Queirós, cabe mencionar a personagem Isaías Caminha que, no início do sexto capítulo do livro Recordações do escrivão Isaías Caminha, confessa que lê, entre outros, o Eça, para descobrir o segredo de fazer romances. Interessante, ainda, é um inquérito elaborado por Gilberto Freyre que deu origem ao livro Ordem e Progresso. Trata-se de uma série de perguntas que Freyre enviou para diferentes pessoas, de norte a sul do Brasil, nascidos entre 1850 e 1900, cujos depoimentos foram recolhidos pelo autor para servir a tentativas de interpretação da nação brasileira dos séculos XIX e XX, momento crucial de consciência da identidade cultural brasileira. No que diz respeito à literatura, o resultado do estudo é claro:

Eça de Queirós, continuaremos a ver que foi tanto como Alencar e Bilac uma dessas preferências da parte dos brasileiros requintados, do Norte ao Sul do País, que, como preferências nacionais em sua extensão e em sua significação, concorrem para unificar a aristocracia intelectual do Brasil em torno dos mesmos cultos ou de iguais devoções.

Ou seja, segundo Freyre, Eça de Queirós, semelhante a um novo santo sobre os seus devotos, contribui para a unificação da elite brasileira do início do século XX. Porém, parece que não foram só os brasileiros ilustrados que leram Eça. O escritor Antonio Cândido ao tentar explicar o porquê da existência do culto queirosiano, afirma que a projecção do escritor foi vasta: Eça atingiu até os incultos, pois é destes raros escritores eminentes dotados de uma inteligibilidade que os torna acessíveis aos graus modestos de instrução. A utilização da caricatura é outro motivo apontado por Antonio Cândido para o sucesso dos escritos queirosianos no Brasil. Mas, quando Eça utiliza uma espécie de lógica fantasiosa que emprega um exagero caricatural, Cândido reconhece que este refinamento nem sempre foi compreendido pelos brasileiros.
Uma análoga explicação para o fenómeno é avançada por Eduardo Lourenço que, no texto Nós e o Brasil: ressentimento e delírio, enfatiza a incompreensão mútua das duas culturas, assinalando porém a presença ímpar do escritor no universo brasileiro: talvez o grande êxito de Eça no Brasil possa explicar-se por um humor, um brilho que o Brasil não tinha então, mas igualmente pela perspectiva satírica que foi a sua da realidade portuguesa. Outra justificação para a popularidade de Eça em terras de Vera Cruz é sustentada por Massaud Moisés, que vê no brasileiro uma aptidão nata para acolher de braços abertos tudo o que o vincule à Europa. Para finalizarmos este brevíssimo estudo, cumpre ressaltar que a investigação acerca do significado da presença de Eça de Queirós no âmbito cultural brasileiro nos remete ao carácter moderno e crítico de sua obra». In Adriana Mello Guimarães, Ecos de Paris: A moderna presença de Eça de Queirós no Brasil, Universidade de Évora, Escola Superior de Educação de Portalegre, LusoSofia press, A Belle Époque Brasileira, CLEPUL, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-8577-15-3.

Cortesia de CLEPUL/JDACT