sábado, 4 de setembro de 2021

Arte Religião e Imagens em Évora. Vitor Serrão. «A cidade de Évora era vista, de há muito, como a segunda do Reino em importância e notabilidade, tendo chegado a albergar a corte de João III por alguns anos e sendo desde sempre elogiada pelo seu estatuto de Colonia Romana»

Cortesia de wikipedia e jdact

No Tempo do Arcebispo Teotónio de Bragança (1578-1602)

«Este ensaio aborda a vertente mecenática de dom Teotónio de Bragança à frente do Arcebispado de Évora, mostrando a importância dos seus empreendimentos construtivos e de decoração artística e o modo actualizado como adaptou os princípios tridentinos do restauro storico e de revitalização das sacrae imagines em lugares de alegado culto paleo‑cristao. Desenvolveu um novo tipo de arquitectura sacra servindo‑se de artistas de formação romana, como o arquitecto Nicolau Frias ou o seu arquitecto e escultor Pero Vaz Pereira. São muito relevantes as construções que custeou, como o Mosteiro da Scala Coeli da Cartuxa , e muitas outras igrejas em vilas e aldeias da Arquidiocese. A arte que nasce em Évora no fim do século XVI, sob signo da Contra‑Maniera, atinge assim um brilho que rivaliza com os anos do reinado de João III e do humanista André Resende. Velhos cultos e novos temas iconográficos emergem com dom Teotónio, como os de São Manços, São Jordão, São Brissos, Santa Comba, São Torpes e outros mártires considerados eborenses. Fez encomendas em Madrid, Roma e Florença para enriquecer a Sé e o grandioso Mosteiro de Scala Coeli da Cartuxa, por si fundado. Trata‑se, portanto, de um capítulo notabilíssimo da arte portuguesa sob signo de Trento, que merece ser devidamente analisado» In Resumo.

Évora Tridentina. Uma Nova Roma

Dom Teotónio de Bragança (1530‑1602), quarto Arcebispo de Évora, foi uma das mais fortes personalidades da Igreja Católica portuguesa no final do século XVI, com uma acção que se manifestou em vários domínios, incluindo os da política de fomento artístico, em que foi verdadeiro mecenas. Sem deixar nunca de ser um Bragança, ou seja, um membro da mais destacada família da nobreza portuguesa, investiu‑se de papel muito relevante na implementação dos valores de reforma que a Igreja assumira a seguir ao Concílio de Trento (1545‑1563). Homem de educação esmerada, já que, depois de receber aprendizado livresco no Paço Ducal de Vila Viçosa, estudou Humanidades no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a que se seguiu uma passagem por Roma, com os jesuítas, e a frequência das Universidades de Paris e Bordéus, onde se formou, Dom Teotónio teve oportunidade de viajar pela Europa do Renascimento, de Itália a França, a Espanha e a Inglaterra, convivendo com as experiências culturais que aí se desenvolviam. No contexto da nova situação política estabelecida com o primeiro reinado da Monarquia Dual e o início da governação filipina, por um lado, e com um dirigismo centrado em Évora nas vésperas do triunfal Jubileu católico de 1600, por outro, o Arcebispo assumiu então um papel decisivo no campo da arquitectura e ao nível do equipamento artístico das igrejas da sua Arquidiocese, dando incremento aos focos influentes de mecenatismo e revelando um gosto por demais actualizado em termos de soluções e modelos seguidos.

A cidade de Évora era vista, de há muito, como a segunda do Reino em importância e notabilidade, tendo chegado a albergar a corte de João III por alguns anos e sendo desde sempre elogiada pelo seu estatuto de Colonia Romana, com a sua muralha quase intacta, os seus monumentos romanos, medievais e renascentistas, e a sua riqueza artística consensualmente reconhecida. O cargo de Arcebispo de Évora era, pois, muito ambicionado, ainda que impusesse um perfil de pessoa com especiais responsabilidades, perfil esse encontrado em dom Teotónio de Bragança ao ser indigitado em 1578, certamente por recomendação do cardeal dom Henrique, para ocupar o cargo. Viviam‑se então as dramáticas circunstâncias políticas decorrentes do desastre de Alcácer Quibir e da subsequente morte do monarca Sebastião, o que levara o cardeal dom Henrique a ser designado rei, abandonando o cargo arcebispal, e abrindo um período que, a breve trecho, desembocaria na crise sucessória que levará Filipe II ao trono português. Embora sempre se tenha destacado no múnus de dom Teotónio de Bragança o aspecto catequético, no que cabe dizer a respeito da prática pastoral empreendida, dos sínodos que organizou, da revisão de certos aspectos teológicos segundo os princípios conciliares, do apoio assistencial aos desfavorecidos e das estratégias gerais em favor do engrandecimento da Arquidiocese (com dinâmicas que contrastam, de certo modo, com as do governo precedente do Cardeal‑Rei dom Henrique, um homem da Renascença), a verdade é que também a vertente cultural e construtiva ganhou peso com o seu governo, através de empreendimentos de monta. Tal acento de proselitismo contra reformista só foi possível porque se tratava de uma personalidade culta e viageira, que dispôs de uma base muito sólida de investigação histórica, assente num gosto romanizado e na consciencialização da importância de um património comum». In Vitor Serrão, Arte Religião e Imagens em Évora, No Tempo do Arcebispo Teotónio de Bragança (1578-1602), 2015, Fundação Casa de Bragança, 2015, ISBN 978-989-691-361-8.

Cortesia da FCdeBragança/JDACT

JDACT, Vitor Serrão, Cultura e Conhecimento, Caso de Estudo, Évora, História,