sábado, 25 de setembro de 2010

Navegações Portuguesas: Parte X. Arte de Navegar. Gaspar Ferreira Reimão

Cortesia do Instituto Camões

Com a devida vénia a Rui Godinho e ao Instituto-Camões, publico algumas palavras.

Gaspar Ferreira Reimão foi um dos pilotos e roteiristas da Carreira da Índia que mais se destacou nos finais do século XVI, inícios do XVII. Sabe-se que morreu em 1626, provavelmente a 7 ou 8 de Fevereiro, e que seria natural da região de Setúbal ou Palmela. Mesmo esta última informação levanta muitas duvidas porque se baseia apenas em tenças e cargos oferecidos pelo Rei nessa zona. Era Cavaleiro-fidalgo da Casa Real e obteve o hábito da ordem de Santiago.

Cortesia da carreiradaindia
Como piloto temos diversas notícias suas. Estreia-se em 1589 como sota-piloto da nau S.Tomé, que se perdeu à volta e que terá escrito um relato do naufrágio, ocorrido entre Moçambique e o Cabo da Boa Esperança. Em 1593 repete a viagem e o cargo a bordo da nau S.Filipe. Em 1595 estreia-se como piloto a bordo da nau S.Pantaleão, regressa no ano seguinte deixando-nos o diário da viagem. A partir daqui existem informações para uma série de viagens; em 1597 parte na nau S.Martinho e regressa em 98 na NªSª do Castelo, também desta viagem deixou diário; em 1600-01 faz a viagem redonda (ida e volta à Índia) na S.Francisco, novo diário chegou até hoje; em 1607-08 repete a viagem na NªSª da Penha de França; em 1608 vai na S.António e regressa na caravela Monserrate; em 1614 foi pela última vez ao Oriente na nau NªSª da Luz que naufraga no Faial à volta já em 1615.

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Entre as suas obras conta-se um roteiro da Navegação da Carreira da Índia, editado em 1612, um relato de naufrágio referente à nau S.Tomé (que se encontra desaparecido) e diversos roteiros da navegação da Carreira da Índia em colaboração com Manuel Monteiro. A tudo isto pode-se somar a honra de desde 1608 ser Piloto-mor do Reino. In Rui Godinho, Instituto Camões.

Bibliografia
  • JANA, Ernesto, “Gaspar Ferreira Reimão, Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Vol. II, Lisboa, Ed. Caminho, imp. 1994, pp.938-940;
  • VITERBO, Sousa, Trabalhos Náuticos dos Portugueses..., Lisboa, INCM, imp. 1988;
  • Dois Roteiros do Século XVI, de Manuel Monteiro e Gaspar Ferreira Reimão, Atribuído a João Baptista Lavanha, Intr. e notas de Humberto Leitão, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1963;
  • Roteiros Portugueses Inéditos da Carreira da Índia do século XVI, Pref. e notas de A. Fontoura da Costa, [Lisboa], Agência Geral das Colónias, 1940;
  • Diários da Navegação da Carreira da Índia nos anos de 1595, 1596, 1597, 1600 e 1603, ed. Quirino da Fonseca, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1938.


Cortesia de achetudoeregiao
«A nau ancorou em Moçambique adiantada das outras da companhia, pois só a 16 chegou a São João e a 19 a nau capitania Santa Maria do Castelo. A partida de Moçambique verificou-se a 22 de Agosto, rumo à Ilha do Comoro situada a nordeste. A ponta do sudoeste dessa ilha foi avistada à uma hora da tarde de 24 de Agosto, depois do que foram arribando por oeste a cerca de 15 léguas da terra. Ao amanhecer de 26, viam a ponta nordeste da ilha que «demorava» a lessueste, «ponta delgada que morre no mar e alta terra» – refere o diário, e, ao meio-dia, a nau postava-se a 16 léguas da banda do noroeste, tendo então percorrido 94 léguas desde Moçambique. No período seguinte, a nau foi levada a descrever uma trajectória quase paralela à linha da costa da África: primeiramente a norte-quarta-a-nordeste até 29 de Agosto; depois, até 2 de Setembro, a nordeste-quarta-a-norte; e finalmente, até 6 de Setembro, ao nordeste. O caminho percorrido neste período totaliza 291 léguas e foi navegado em boa velocidade (cerca de 26,5 léguas por dia) por acção de ventos favoráveis e fortes que sopraram quase constantemente, embora contrariados por correntes marítimas que, por vezes, se lhes opunham. A 31 de Agosto, o ponto, sito em cerca de 5º de latitude S, é referenciado no diário a 35 léguas dos Baixos do Patrão e a 85 léguas da Ilha de Pemba; e a 4 de Setembro, a 80 léguas de Mogadoxo, terra mais chegada da costa de África. […]. Depois de atingir, em 6 de Setembro, o paralelo de 2º 2/3 N, a marcha da nau prosseguiu a rumos do quadrante do nordeste até cruzar o paralelo de Goa, o que se verificou ao meio dia de 16 de Setembro. O caminho navegado nesse período orçou em 317 léguas, registando-se em quase todas as singraduras velocidades superiores a 35 léguas, graças à acção favorável de ventos que sopraram predominantemente do sudoeste e oessudoeste com forte intensidade e ao bom estado do mar; somente nos dias 12 e 13 de Setemnro se não verificaram tais condições de navegação por motivo da presença de águas defavoráveis, vindas do estreito (de Adem). Durante este período o diário anota duas referências à terra firme que convém salientar: a 10 de Setembro, o ponto é estimado a 100 léguas da Ilha de Socotorá (no traçado medimos 95 léguas); e a 16, a 165 léguas de Goa (no traçado: 163 léguas). Estas referências manifestam a precisão da estimativa do piloto. A navegação do troço final até Goa processou-se, a partir de 16 de Setembro, sensivelmente a leste, ao longo de 169 léguas de caminho. A nau, em marcha relativamente moderada, foi-se aproximando progressivamente da costa do Malabar, cuja presença começou a ser pressentida em 24 de Setembro com a presença de «corvas pretas pousadas na água», conhecença a que Gaspar Reimão atribuía grande significado. No entanto, o facto de «a água não mostrar nada no fundo» levou-o a sérias dúvidas quanto à justeza da sua posição, que se prolongaram ainda no dia imediato. Só a 26 de Setembro, ao render o quarto da prima (cerca da meia noite), foi certificada a proximidade da costa por prumagem que acusou vasa solta a 80 braças de fundo. Finalmente, a terra foi avistada ao romper do sol, reconhecendo-se, duas horas depois, Bardez e os ilhéus de Goa. A nau São Martinho ancorou em Bardez durante a tarde, e as outras duas naus da armada ao pôr do sol.
O caminho percorrido desde Lisboa, donde tinham partido a 5 de Abril, foi de «três mil quinhentos e setenta e cinco léguas» em cento e sessenta e sete dias de navegação efectiva». In Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598), de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 11 e 12, Leonel Vicente em Diário de navegação da Nau S. Matinho de Gaspar Ferreira Reimão.

Cortesia de carreiradaindia

Cortesia do Instituto Camões/Leonel Vicente/Joaquim Rebelo Vaz Monteiro/JDACT