sábado, 12 de fevereiro de 2011

Braga. Escadório do Bom Jesus do Monte: Haverá um percurso alquimista na escadaria? Parte IV. «Esta fonte procura mostrar o lado transcendente do próprio sentido, aqui representado através do Sol, símbolo da claridade que permite conhecer a verdadeira realidade, oculta nas sombras da ignorância. A águia, como animal solar, constitui a aspiração a essa mesma luz que vem do alto»

Cortesia de flickr 
Com a devida vénia ao Gabriel e ao sítio Peregrinar/Maria cito algumas frases.

Escadório dos Cinco Sentidos 
Este lance dos escadórios é da responsabilidade do arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles que não os chegou a ver concluidos pois morreu em Setembro de 1728. Para a conclusão, a administração da confraria obteve os recursos de um modo singular:
  • A Companhia de Jesus e o seu colégio da Igreja de São Paulo em Braga estava em litígio com outros colégios de Braga, em particular com o Convento dos Congregados. Ocorreram em Braga manifestações dos estudantes dos outros colégios contra os jesuitas. Estes conseguiram fazer prender os rapazes mais rebeldes, e obrigar as suas famílias a pagar multas proporcionais aos seus rendimentos.
O dinheiro recebido foi entregue à confraria para a feitura das estátuas de pedra que terminariam o escadório dos cinco sentidos.

Cortesia de fotothing
Os jesuitas inspirados na mitologia Grega escolheram as figuras, que a Mesa da Confraria em Edital de  Abril de 1774 julgou «indecorosíssimas e indecentíssimas». Em satisfação a este edital foram mudados os nomes e os dísticos às imagens:
  • Argos passou a chamar-se Vir Prudens;
  • Orfeu passou a designar-se por Editum;
  • Jacinto deu lugar a Vir Sapiens;
  • Ganimedes passou a Joseph;
  • Midas passou a chamar-se Salomão.
Nesta parte do escadório estão cinco lances de escadas, intervalados por patamares com fontes alegóricas aos cinco sentidos, pela seguinte ordem: Visão, Audição, Olfacto, Paladar e Tacto.
Paulo Pereira afirma que neste escadório procede-se ainda a uma hierarquia do tema dos cinco sentidos, como que revelando no percurso ascensional o grau de corporeidade que se deve atribuir a cada um dos sentidos em causa. O primeiro sentido é o da Vista e o último o do Tacto, começando no mais incorpóreo dos sentidos, a águia é o animal alegórico e o Sol preside à alegoria, terminando no mais corpóreo e impuro, a aranha é o animal escolhido para simbolizar esta faculdade.


Cortesia de caminhos romanos/wikipédia 
O escadório dos 5 sentidos é uma alegoria ao corpo humano mas está longe de constituir uma elegia. Se é pelos sentidos que «se deriva o princípio do nosso conhecimento», como escrevia um dos primeiros moralistas do Bom Jesus, a atitude do crente não pode ser passiva nem acrítica no acto de conhecer. É necessário ir além das ilusões da imagem, como dizia S. Agostinho ou o Pd. António Vieiraé necessário ir além de todos os dados imediatos da percepção, dizem sem cessar todas as fontes do Escadório dos Cinco Sentidos. Tudo o que é sensorial é do domínio do reino animal e serão sempre animais a exemplificar nas várias fontes as capacidades de cada sentido como que a quererem dizer que não é essa a condição humana.

A 1ª fonte dos sentidos. Fonte da Visão
Símbolos: sol e águia. Visão
Na fonte da Visão existe uma estátua lançando água pelos olhos e tem na mão esquerda uns óculos. Três águias olham para o sol.


Cortesia de pbase
Estamos perante uma dupla referência Solar: a Águia, com o seu forte simbolismo solar, ela pode olhar o sol de frente, e o próprio Sol. A águia identifica-se com forte conteúdo simbólico e que se encontra bem presente em variadas representações heráldicas no Ocidente medieval, sendo mesmo uma das mais comuns representações de animais nos brasões.
«Esta fonte procura mostrar o lado transcendente do próprio sentido, aqui representado através do Sol, símbolo da claridade que permite conhecer a verdadeira realidade, oculta nas sombras da ignorância. A águia, como animal solar, constitui a aspiração a essa mesma luz que vem do alto. A vigilância é também uma das suas características». In José Ramos.
Moisés - Argos/Vir Prudens - VISTA - Jeremias
A estátua central é a imagem de um pastor com a mão sobre o peito e os olhos fechados. A inscrição é Vir prudens quasi in somnis vide et vigilabis. Eccles. C. 13, v. 17. - «Varão prudente, toma-as (as lisongeiras palavras) por um sonho e assim vigiarás».
Segundo a mitologia, Argos Panoptes, Argo de muitos olhos, era um gigante com 100 olhos. Servo fiel de Hera, é incumbido pela deusa de tomar conta de Io, uma princesa e amante de Zeus transformada em novilha. Era um excelente boiadeiro, visto que, quando dormia, mantinha 50 de seus olhos despertos. Hera homenageou Argos, transformando-o em pavão, a sua ave sagrada, em cuja cauda pôs 100 olhos.
À direita a estátua de Moisés, tendo na cabeça 2 raios de luz e na mão direita a vara com a serpente enroscada. A inscrição diz: Moysés. Quem cumpercussi aspicerent, sanabantur. Num.21, 9. - «Moisés. Aqueles que, feridos, a olhavam, saravam»

Cortesia de skyscrapercity
À esquerda a estátua de Jeremias representa o sol e tem na mão direita uma vara com olhos, significando a que lhe mostrou numa visão. Na inscrição diz: Jeremias. Virgam vigilantem ego video. Jer. IEu vejo uma vara vigilante». Tudo fica mais claro se recordarmos que a vara ou cajado é o símbolo do conhecimento que permite ao sábio caminhar seguramente.
Outra possibilidade de interpretação é a  associação aos 4 elementosAqui aparecem-nos aos pares, o que também acontece em Tomar, nas construções dos Templários». In Peregrinar/Maria.
Vista (visão), Sol, Fogo, elemento Masculino
Águia, Ar, elemento Masculino

Cortesia de Gabriel/Peregrinar/Maria/JDACT