sábado, 12 de novembro de 2011

Luisa Freire. Ecos. Gustav Mahler: «… o eco do mundo em nós e o eco de nós em nós mesmos, som que repetimos de mil maneiras gastas quando nos gastamos a procurar dizer-nos»


Cortesia de novelosdesilencio e meggouveia

Ecos
Gustav Mahler: Sinfonia nº 5, Quarto andarnento

Este “Adagietto”, diz-se, terá sido enviado
na sua partitura inicial como uma carta
de amor.

Pode ser, sim, um poema de amor
uma elegia, uma oração
um canto de tristeza
um hino à solidão.

O som estende a sua sombra
pelo desejo em suspenso -
contido e declarado,
em crescendo mas calado e
repetido.

É, assim a música:
tudo cabe nela quando ela nos enche.

O eco é uma palavra curta nas letras e ampla
no sentido: ele é tudo o que fica a ressoar
ou a repetir o mesmo som.

Dele o dicionário dá uma longa definição onde
entram as leis da física, mas do eco diz também:
«lugar onde se produz o eco».

Somos então o lugar e o próprio som -

o eco do mundo em nós e
o eco de nós em nós mesmos,
som que repetimos de mil maneiras gastas
quando nos gastamos a procurar dizer-nos

ou a tentar descobrir a palavra exacta, a que liberta,
para encontrar apenas a palavra surda e sonsa

aquela que só ouve o que lhe apraz e que só diz
o que lhe interessa.
Poema de Luísa Freire, in «Colóquio Letras»

JDACT