sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Histórias de Ler e Comer. Manuel Guimarães. «Cozinhas, oficinas diversas e, sobretudo, as ucharias funcionavam sob inspecção directa do vedor da Casa Real, responsável pela administração de pessoas e bens directamente ligados à alimentação diária dos reis, suas cortes e seus criados»

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Lisboa e as antigas casas de comeres. Do regimento do oficio de confeiteiro
«(…) Mais bem comportadas, mas não menos prejudiciais ao negócio, as freirinhas dos conventos de Lisboa lembraram-se de fabricar e vender doces, tomando-se depressa autoridades na matéria, chegando mesmo a sua doce fama aos nossos dias.
Como se tudo isto não bastasse, um número infinito de conserveiras confeccionava e vendia doce de frutas, de amêndoa e jarzelim, sem o mínimo de controlo de pesos e asseios, deixando todos os encargos do negócio aos queixosos confeiteiros.
Mas nem só a concorrência fazia a vida cara aos confeiteiros. Por vezes, o abuso partia de dentro e de quem tinha por missão defendê-los e ampará-los.
Prova disso é o teor da petição que reclama providências contra os juízes e escrivão do ofício de confeiteiros, aos quais competia retirar das caixas de açúcar remetidas da América uma amostra para testar o produto, acto susceptível de abusos, chegando, a título de amostra, a retirar, de cada caixa, nada menos de meia arroba, o que constituía descarado roubo.
Diga-se, em abono da verdade, que os nossos confeiteiros, contrariando a doçura profissional e talvez mesmo para a contrabalançar, queixavam-se às autoridades frequentemente e pelos mais diversos motivos, não hesitando em pedir ao Senado da Câmara medidas contra tendeiros e merceeiros por estes usarem, nos seus ofícios, balança de cobre com bico, peça de que reclamavam a exclusividade, como emblema importante da suas lojas e das suas artes.
E o Senado lá concordou, remetendo tendeiros e merceeiros para as suas pobres balanças de latão... e sem bico.

Ucharia real do monarca José I
Variando sensivelmente ao longo dos séculos, mereceu especial cuidado a regulamentação do dia a dia da Casa Real portuguesa, sobretudo no que diz respeito às mesas, diariamente careciam de provisão e serviço ao jantar e à ceia.
Cozinhas, oficinas diversas e, sobretudo, as ucharias funcionavam sob inspecção directa do vedor da Casa Real, responsável pela administração de pessoas e bens directamente ligados à alimentação diária dos reis, suas cortes e seus criados».


In Manuel Guimarães, Histórias de Ler e Comer, Vega, Lisboa, 1991, ISBN 972-699-294-X.

Cortesia de Vega/JDACT