domingo, 28 de setembro de 2014

A Política Externa Portuguesa e a Aliança Defensiva de 1799 com a Rússia. Castro Brandão. «Espanha e Inglaterra aproximavam-se com rapidez e, apesar das divergências, julgavam poder associar-se para breve acção comum. Duas razões principais estimularam a aliança entre os dois países e a quebra das respectivas neutralidades»

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Elementos para a História Diplomática Portuguesa
«(…) Assim acontece com os países analisados. A Espanha de Godoy estremeceu com a execução do Bourbon. A proximidade do parentesco entre as duas casas reinantes explica, para além do mais, a repulsa que a decisão da República provocara. A Inglaterra, por seu turno, a despeito das suas tendências conciliatórias, manifestou-se visivelmente impressionada e sobremaneira inquieta com a crescente agressividade da França. Esta razão, acima de qualquer outra, decidirá o pacifista Pitt a lançar-se na guerra. De Lisboa, mesmo na iminência de uma ruptura franco-britânica, aconselha-se João de Melo Castro, nosso embaixador em Londres, a ganhar todo o tempo que nos for possível, e a não nos comprometermos enquanto não formos formalmente e directamente requeridos. A fraqueza de um pequeno país impunha toda a cautela como garantia da sua própria sobrevivência. A espera não foi longa e nem permitiu ganhar tempo. Espanha e Inglaterra aproximavam-se com rapidez e, apesar das divergências no ultramar, julgavam poder associar-se para breve acção comum. Duas razões principais estimularam a aliança entre os dois países e a quebra das respectivas neutralidades. Na origem foram aparentemente semelhantes: o trágico fim da monarquia francesa; na essência tinham, contudo, uma ordem de valores bem diversa. Madrid acusava uma reacção lógica à sorte de Luís XVI. Londres preocupava-se com o expansionismo francês e temia o proselitismo manifestado pela República. De sorte que, alimentados por uma ocasional convergência de objectivos, puderam esquecer, momentaneamente, antigas rivalidades ainda há pouco avivadas pela questão de Nootka-Sound (em Abril de 1789, na costa da Califórnia, junto ao porto de São Lourenço, foi apresada pelos espanhóis uma frota inglesa que transportava colonos para se estabelecerem em Nootka Sound; o caso deu origem a grave diferendo entre as duas cortes, para cuja solução foi chamada a intervir a coroa portuguesa).
Era, pois, nesta contextura que se teria de definir a posição portuguesa. Como já dissemos, haviam-se malogrado as tentativas feitas por Sousa Coutinho para uma tríplice aliança, Das muitas causas do insucesso, temos, sobretudo, o fraco poder militar que oferecíamos em troca de um compromisso com demasiadas obrigações. Pela nossa parte, é bem compreensível a insistência do Secretário de Estado. Aliados os dois grandes rivais contra a França, nada tínhamos a perder, mas tudo a ganhar. A participação trazia-nos a segurança de uma força superior e os benefícios de uma vitória conjunta. Na mesma base preservávamos a integridade territorial das tradicionais cobiças de ingleses e espanhóis, neutralizando, simultaneamente, o Pacto de Família ainda em vigor. Agora, porém, os termos eram outros e as situações bem diversas. A época dos neutros terminara e em seu lugar abria-se o espaço para o conflito declarado. Em face da hostilidade crescente que nascia à sua volta, a Convenção decidiu defender-se atacando. No dia 1 de Fevereiro de 1793 rompe com a Inglaterra e a Holanda e a 7 de Março toma idêntica atitude relativamente à Espanha. Para a diplomacia portuguesa encetava-se uma nova fase, onde só a prudência e a habilidade podiam intervir. Em rigor não estávamos envolvidos na guerra, mas apenas ligados à Grã-Bretanha e à Espanha pelos Tratados anteriores. Nesses princípios se apoiou Luís Pinto para articular a sua política, buscando numa participação auxiliar a chave de defesa a um isolacionismo perigoso e pouco viável pelas constantes pressões de Londres e Madrid». In Fernando Castro Brandão, A Política Externa Portuguesa e a Aliança Defensiva de 1799 com a Rússia, Elementos para a História Diplomática Portuguesa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, INCM, Lisboa, 1974.

Cortesia da INCM/JDACT