domingo, 14 de setembro de 2014

Protestantismo Educação José António Afonso. «… foram lançando corresponde a posicionamentos em contextos sócio-políticos diferentes e vitais na intensa mudança que percorria um Portugal que após 1820 pretendia reerguer-se. “Democracia, tolerância e pluralismo são a ancoragem do liberalismo”»

jdact e cortesia de pedrosalinas

Objecto, metodologia e fontes
«A emergência na sociedade portuguesa de Oitocentos de movimentos acatólicos, que paulatinamente foram ganhando uma relativa expressividade no espaço público, despoletou um conjunto de questões que estavam tacitamente adormecidas, ou que em surdina circulavam nos meios intelectuais mais esclarecidos. Os protestantes, ou evangélicos, agendaram uma paleta de temas que revelando actualidade e oportunidade sócio-política, eram, também, centrais para uma afirmação identitária, como, ainda, cruciais para a inclusão social destes protagonistas novos na dinâmica de uma sociedade que procurava mudar a herança de um Antigo Regime retrógrado e censório. Centrando a discussão, justamente, em torno dos tópicos que consideravam como fundamentais para que um Portugal moderno pudesse ser erguido, os protestantes foram ousados na denúncia de um conjunto de constrangimentos sócio-simbólicos que impediam a libertação do País, arrastando-o para um constante definhar, que acentuava o secular mirramento de um espaço que tinha sido independente e glorioso. Configura-se, com particular ênfase, a invenção de um cidadão capaz de responder, implicando-se, aos desafios que a construção de uma nova sociedade implicava.
A emergência dessa figura cívica passaria indelevelmente pelo trabalho metódico e difuso de integração de um conjunto de geradores de estruturas cognitivas que permitissem a reflexividade definidora de uma alteridade, ou seja, que a consciência da presença de um passado se pudesse transformar num critério de diferenciação. Escolher, objectivamente, é a assunção de um momento de intensa visibilidade, traduzida, também, como modalidade de intervenção, ainda que diversamente matizada, mas, também, a luta que permita que a autonomia se vá desenhando e em que a tónica no opus operatum emerge com nitidez, apesar dos paradoxos, das contrariedades e das hesitações que uma trajectória desta natureza pressupunha. Num outro nível, este processo educativo, encontra expressão num modus operandi que permitiu criar estruturas objectivas que correspondessem a tempos, também, de auto-aprendizagem e de construção criativa de actividades sociais.
Compreender a lógica de participação dos protestantes portugueses, em particular pela sua intervenção nos mecanismos e processos educativos, é no essencial o sentido da nossa sondagem. Entre os finais da década de Sessenta do século XIX e os primeiros Trinta anos do século nascente, a diversidade de propostas que estes protagonistas foram lançando corresponde a posicionamentos em contextos sócio-políticos diferentes e vitais na intensa mudança que percorria um Portugal que após 1820 pretendia reerguer-se. Democracia, tolerância e pluralismo são a ancoragem do liberalismo. Mais do que procurar uma essencialidade nos movimentos protestantes portugueses, insistimos em indagar o tempo de construção de uma identidade, no seu próprio interior, que corresponde a um ciclo de inovação fortemente marcado pelo modo como os protestantes se relacionam com o mundo social, tendo consciência que apesar dos traços comuns que poderiam fazer convergir agentes situados em pólos diferentes no campo das reformas sociais, em muitos tópicos os afastamentos são notórios e flagrantes. Usando uma sugestiva observação de Pierre Bourdieu, arriscamos afirmar que eram agentes contemporâneos de outros protagonistas mas em que temporalmente manifestavam discordâncias. Nesta óptica, aproximamo-nos dos seus discursos com o objectivo de seriar as suas posições e esmiuçando as categorias de percepção da realidade esquiçamos, o que se poderá designar por estratégia de legitimação moral. Acompanhamos o empenho de universalização, destacando duas dimensões. Uma, corresponde a uma afirmação verbal, em que se manifestam as tensões face às condições políticas que legitimam a intolerância, em todas as suas possíveis declinações, e que condicionam o pluralismo, essencialmente o religioso, cuja expressão em todas as esferas sociais tende a configurar regimes de unanimismo que sustentam a sua reprodução. Com intensidade, por vezes inusitada, os protestantes pretendem criar uma clara demarcação face a modelos comuns e banais, prestando uma particular atenção à questão religiosa, mas não olvidando a questão educativa que é abordada com clareza, denotando-se, em alguns aspectos, uma pragmática crítica». In José António Martin Moreno Afonso, Protestantismo e Educação, História de um projecto Pedagógico Alternativo em Portugal na Transição do século XIX, Universidade do Minho, Tese de Doutoramento em História, Braga, 2006.

Cortesia da UMinho/JDACT