domingo, 7 de setembro de 2014

Perfil Histórico do Século XVII. Vida Mundana de um Frade Virtuoso. Alberto Pimentel. «Aos dezoito annos recebeu a noticia da morte do pai, e teve que recolher com a mãe e os irmãos á Vidigueira. … as moças da Vidigueira seriam acirrantes de polpudas carnes e bellas cores, magnifico aperitivo para uns dezoito annos aventurosos»

jdact e wikipedia

De acordo com o original.

O capitão ‘Bonina’
«Aquele que teve no século o nome de António Fonseca Soares, e na religião o de frei António das Chagas, nasceu na villa da Vidigueira a 25 de junho de 1631. Sua mãe, D. Helena Elvira Zuniga, posto que de origem castelhana, era natural da Irlanda. Como se sabe, as luctas entre os catholicos da Irlanda e os protestantes de Inglaterra acirraram-se sangrentamente no reinado de Carlos I: os irlandezes trucidaram doze mil protestantes. Cromwell tirou d’esse morticínio uma vingança terrível; fez á Irlanda uma guerra d’exterminio. Terêncio de Zuniga, pai de D. Helena, empenhado na guerra religiosa, quiz subtrair a filha á possibilidade de represálias deshumanas, e enviou-a para um paiz catholico, onde podesse viver com segurança e tranquillidade. Elle ficou. D. Helena de Zuniga veio para Portugal, e teve a felicidade de encontrar aqui a protecção da condessa da Vidigueira, D. Leonor Coutinho, que a casou com António Soares Figueiroa. Sete semanas depois do nascimento d’este filho, que não era o primogénito, foi António Soares Figueiroa provido na judicatura de Villa-Nova de Portimão. No Algarve, António Fonseca, ainda na puerícia, aprendeu a ler e escrever. Mas, attingindo idade própria para proseguir no estudo das humanidades, foi enviado a Évora, onde com somenos applicação cursou as aulas de latim e philosophia.
A sua predilecção era para a carreira das armas. Os compendios escolares enfastiavam-n’o tanto, quanto a vida do exercito lhe sorria tentadora. Aos dezoito annos recebeu a noticia da morte do pai, e teve que recolher com a mãe e os irmãos á Vidigueira. Se hoje visitarmos esta villa do Alemtejo, pitoresca posto que solitária, poderemos ainda fazer ideia do que seria a mocidade de António Fonseca Soares apertada n’esse estreito circulo de aventuras galantes. Deviam dar brado n’uma pequena villa de provincia os dezoito annos de tão irrequieto moço, cujo animo pendia para a desenvoltura da vida militar. Demais a mais corriam nas veias das mulheres da Vidigueira glóbulos ricos de sangue minhoto, pois que mestre Thomé, thesoureiro da sé de Braga, a quem a villa fora dada para que promovesse a sua colonisação, povoara-a com gente que trouxera de Braga e de outras comarcas limitrophes. Quero dizer que as moças da Vidigueira seriam acirrantes de polpudas carnes e bellas cores, magnifico aperitivo para uns dezoito annos aventurosos.
Parece que um homicidio, que António Fonseca Soares commettera na Vidigueira, teria origem na concorrência amorosa aos favores de alguma das moçoilas plethoricas de sangue minhoto. Que foi um repto a causa do homicídio, deprehende-se das palavras do seu biographo padre Manoel Godinho. Referindo-se ao crime, escreve Godinho que António Fonseca tivera a defesa de desafiado. Canaes, nos Estudos biographicos, diz a coisa por claro. Fonseca batera-se, pois, com um adversário. Os duellos estiveram em moda durante o século XVII. A moda chegou a excesso de loucura. Sahiu uma pragmática reprimindo o abuso. Mas o auctor das Monstruosidades do tempo e da fortuna duvidava de que a pragmática fosse cumprida, que bem antiga lei é a que prohibe os desafios, e não se poz em execução, que bem disse o outro discreto, que as leis eram teias de aranha em que se prendiam moscas, e nunca ficavam aves, porque estas rompem a rede, para ellas fraca, e aquellas que por fracas não rompera, ficam.
O filho do conde do Prado e seu cunhado o conde da Atalaya foram os primeiros que infringiram a pragmática dos desafios. No livro das Monstruosidades enxameam noticias de duellos por motivos frívolos, mas avulta o perfil de um duellista famoso, João de Castro se chamava elle, que uma vez, por amor de uma comediante, desafiou toda a cidade de Sevilha, e de outra vez, também em Castella, desafiou todos quantos castelhanos assistiam á representação de uma comedia, em que João IV figurava não como rei, mas simplesmente como duque de Bragança. Este João de Castro é um verdadeiro D. Quichote do século XVII, que bem merecia encontrar um novo Cervantes». In Alberto Pimentel, Vida Mundana de um Frade Virtuoso, Perfil Histórico do Século XVII, PQ9191A65Z18, Livraria António Pereira, Lisboa, 1889.

Cortesia de LPereira/JDACT