quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O Tecido Urbano Flaviense. De Aquæ Flaviæ a Chaves Medieval. João Manuel Ribeiro. «As últimas décadas do século XX correspondem, sem sombra de dúvida, ao período de maior ‘volume literário’ a propósito das origens da cidade e da sua evolução urbana. A primeira obra de referência, da autoria de António Montalvão, remonta a 1972…»

Cortesia de wikipedia

«A cidade de Chaves possui um longo passado histórico, cujas origens remontam ao século I da nossa era. Desde a fundação romana como Aquae Flaviae, a cidade conheceu sucessivas ocupações, condicionadas por circunstâncias geográficas e históricas variadas. Actualmente, Chaves constitui uma verdadeira cidade histórica, onde as marcas e os vestígios materiais dos mais de 2000 anos de ocupação se entrelaçam no plano urbano actual. Pese embora este conhecimento, reconstituir a forma urbana que caracterizou os diferentes momentos de ocupação do espaço urbano flaviense, bem como perceber as transformações morfológicas que ocorreram na diacronia, constitui, ainda, um enorme desafio. A cidade de Chaves, localizada no distrito de Vila Real, desenvolve-se numa zona de vale, numa área correspondente a 25km², sendo banhada pelo Rio Tâmega, importante eixo fluvial, cuja transposição desde cedo determinou amplos investimentos públicos pelo poder central e local. Enquadrada a leste pela Serra do Brunheiro, com altitude máxima de 919 metros, a cidade encontra-se limitada a oeste por pequenas elevações de terreno, as quais consolidam a Serra de Bustelo. Esta, por seu turno, constitui contraforte à Serra do Larouco e ao planalto de Barroso. A norte localiza-se a Serra de Mairos que se expande até Espanha e a sul situa-se um conjunto de colinas que se prendem ao Brunheiro, no lugar de Pêto de Lagarelhos.
A posição geográfica de Chaves terá sido avaliada desde muito cedo, constituindo um espaço de circulação muito importante que desde os romanos materializou um conjunto relevante de vias. Uma dessas vias, a via XVIII, ligaria a cidade a duas importantes capitais de conventus, Bracara Augusta (Braga) e Asturica Augusta (Astorga). Para além da importância geográfica, também os recursos naturais, designadamente as qualidades medicinais das suas águas, terão contribuído para a importância acrescida que a cidade de Chaves adquire no período de dominação romana, mas também, nos períodos seguintes. Actualmente, a cidade beneficia ainda de algumas destas vantagens.  Pretende-se estudar a evolução da morfologia urbana da cidade de Chaves, entre o período romano, Aquae Flaviae, a Idade Média, Flavias ou Chaves medieval, analisando o enquadramento histórico e geográfico que fundamenta os traços morfológicos e as principais construções que caracterizaram o plano urbano romano e medieval. É igualmente objectivo analisar as transformações morfológicas ocorridas no espaço urbano flaviense entre os referidos períodos históricos, procurando aferir as continuidades e ou descontinuidades verificadas entre os sucessivos planos urbanos.

Resenha historiográfica de Chaves
A historiografia flaviense apresenta uma tradição de cerca de quinze séculos, mergulhando as suas origens nos relatos dos cenários das invasões suevas à cidade de Flavias, no século V. Reportamo-nos à Cronica ou Cronicon da autoria de Idácio, bispo de Chaves, na qual é feita a descrição deste período tão atribulado da história da cidade. Pese embora a subjectividade empregue pelo autor, esta obra integra os acontecimentos que marcaram Aquae Flaviae, à data Flavias, no período de queda do Império Romano e consequente ocupação suevo-visigoda. A narrativa histórica da cidade retomar-se-ia apenas no século XVIII, com a obra Noticias Geographicas e Historicas da Provincia de Tras dos Montes, da autoria de Tomé Távora Abreu e do padre José Fontoura Carneiro. Estes manuscritos modernos foram, já no século XX, transcritos e, por conseguinte, democratizados, por Júlio Montalvão Machado, em artigo homónimo à referida obra, publicado em 1989, no nº 2 da Revista Aquae Flaviae (1989). A referida revista viria a tornar-se num veículo editorial de significativa importância para a historiografia flaviense, constituindo o meio preferencial de publicação da história de Chaves, quer a nível arqueológico, designadamente das intervenções do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal, quer dos estudos de cariz histórico ou etnográfico. Refiram-se, ainda, para o século XIX as referências feitas à cidade de Chaves, na obra História de Portugal, de Alexandre Herculano.
As últimas décadas do século XX correspondem, sem sombra de dúvida, ao período de maior volume literário a propósito das origens da cidade e da sua evolução urbana. A primeira obra de referência, da autoria de António Montalvão, remonta a 1972 e intitula-se Permanece a urbanística de Aquae Flaviae?. Este artigo constitui um ponto de partida irrecusável para quantos se debruçam sobre a análise do traçado urbanístico da cidade romana de Aquae Flaviae e determina o início de uma corrente de investigação que postula uma origem romana para a malha urbana da actual cidade de Chaves. Nos finais da década de 70, Francisco Gonçalves Carneiro publica A Igreja de Santa Maria Maior de Chaves, obra que versa a história deste edifício polarizador das urbanizações medievais, bem como a descrição do referido imóvel à data desta publicação (1979). A mesma igreja integraria uma obra de índole mais generalista, da autoria de Carlos Alberto Ferreira Almeida, denominada História de Arte em Portugal. O Românico (1986). O dealbar da década de 90 encontra-se pautado pela publicação da obra Aquae Flaviae, de Antonio Rodríguez Colmenero, a qual constitui a primeira grande exposição das evidências arqueológicas, móveis e imóveis, descobertas até à década precedente. Esta obra inclui ainda uma revisão da literatura a propósito da génese da cidade, filiando-se o autor na corrente presidida por António Montalvão (1990)». In João Manuel Gonçalves Ribeiro, O Tecido Urbano Flaviense, de Aquæ Flaviæ a Chaves Medieval, Universidade do Minho, Mestrado em Arqueologia, Instituto de Ciências Sociais, 2010.

Cortesia da UMinho/JDACT