terça-feira, 11 de julho de 2017

A Carícia Essencial. Roberto Shinyashiki. «O que não se compreende é como há tanta maldade num mundo feito somente de gente que se considera tão boa. Deveras não se compreende»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Chega de viver entre o Medo e a Raiva! Se não aprendermos a viver de outro modo, poderemos acabar com a nossa espécie. É preciso começar a trocar carícias, a proporcionar prazer, a fazer com o outro todas as coisas boas que a gente tem vontade de fazer e não faz, porque não fica bem, mostrar bons sentimentos! No nosso mundo negociante e competitivo, mostrar amor é ... um mau negócio. O outro vai aproveitar, explorar, cobrar... Chega de negociar com sentimentos e sensações. Negócio é de coisas e de dinheiro, e pronto! Bendito Skinner, apesar de tudo! Ele mostrou por A mais B que só são estáveis os condicionamentos recompensados; aqueles baseados na dor precisam ser reforçados sempre, senão desaparecem. Vamos-nos reforçar positivamente. É o jeito, o único jeito, de começar um novo tipo de convívio social, uma nova estrutura, um mundo melhor.
Freud ajudou a atrapalhar mostrando o quanto nós escondemos de ruim; mas é fácil ver que nós escondemos também tudo o que é bom em nós, a ternura, o encantamento, o agrado em ver, em acariciar, em cooperar, a gentileza, a alegria, o romantismo, a poesia, sobretudo o brincar, com o outro. Tudo tem que ser sério, respeitável, comedido, fúnebre, chato, restritivo, contido... Há mais pontos sensíveis em nosso corpo do que estrelas num céu invernal. Desejo, latim de-si-derio; provém da raiz sid, da língua zenda, significando estrela como se vê em sideral, relativo às estrelas. Seguir o desejo é seguir a estrela, estar orientado, saber para onde se vai, conhecer a direcção... Gente é para brilhar diz mestre Caetano. Gente é, a maior maravilha, o maior playground e a mais complexa máquina neuro-mecânica do Universo Conhecido. Diz o psicanalista que todos nós sofremos de mania de grandeza, de omnipotência. A mim parece que sofremos todos de mania de pequenez.
Qual o homem que se assume em toda a sua grandeza natural? Quem sou eu, primo... Em vez de admirar, nós invejamos por não termos coragem de fazer o que a nossa estrela determina. O Medo, eis o inimigo. O medo principalmente do outro, que observa atentamente tudo o que fazemos, sempre pronto a criticar, a condenar, a pôr restrições, porque fazemos diferente dele. Só por isso. A nossa diferença diz para ele que a sua mesmidade não é necessária. Que ele também pode tentar ser livre, seguindo a sua estrela. Que a sua prisão não tem paredes de pedra, nem correntes de ferro. Como a de Branca de Neve, a sua prisão é de cristal, invisível… Só existe na sua cabeça. Mas a sua cabeça contém, é preciso que se diga, todos os outros, que de dentro dele o observam, criticam, cometem, às vezes até elogiam!
Porque vivemos fazendo isso uns com os outros, vigiando-nos e nos obrigando, todos contra todos, a ficarmos bonzinhos dentro das regrinhas do bem comportado, pequenos, pequenos. Sofremos de megalomania porque no palco social nos obrigamos a ser, todos; anões. Ai de quem se salienta, fazendo de repente o que lhe deu na cabeça. Fogueira para ele! Ou pensa que a fogueira só existiu na Idade Média? Nós nos obrigamos a ser, todos, pequenos, insignificantes, apesar do grego, melhor ainda. Oligotímicos, sentimentos pequenos, é o ideal... Quem é o iluminado? No seu tempo, é sempre um louco delirante que faz tudo diferente de todos. Ele sofre, principalmente, de um alto senso de dignidade humana, o que o torna insuportável para todos os próximos, que são indignos.
Ele sofre, depois, de uma completa cegueira em relação à realidade (convencional) que ele não respeita nem um pouco. Ama desbragadamente, o sem-vergonha. Comporta-se como se as pessoas merecessem confiança, como se todos fossem bons, como se toda criatura fosse amável, linda, admirável. Assim ele vai deixando um rasto de luz por onde quer que passe. Porque se encanta, porque se apaixona, porque abraça com calor e com amor, porque sorri e é feliz. Como pode esse louco? Como se pode estar, e viver!, sempre tão fora da realidade, que é sombria, ameaçadora; como ignorar que os outros, sempre os outros, são desconfiados, desonestos, mesquinhos, exploradores, prepotentes, fingidos, traiçoeiros, hipócritas... Ah! Os outros... (Fossem todos como eu, tão bem comportados, tão educados, tão finos de sentimentos...) O que não se compreende é como há tanta maldade num mundo feito somente de gente que se considera tão boa. Deveras não se compreende.
Menos ainda se compreende que de tantas famílias perfeitas, a família de cada um é sempre óptima, acabe acontecendo um mundo tão infernalmente péssimo. Ah! Os outros... Se eles não fossem tão maus, como seria bom... Proponho um tema para meditação profunda; é a lição mais fundamental de toda a Psicologia Dinâmica: só sabemos fazer o que foi feito connosco. Só conseguimos tratar bem aos demais se fomos bem tratados. Só sabemos tratar-nos bem se fomos bem tratados». In Roberto Shinyashiki, A Carícia Essencial, 1984, Editora Pergaminho, colecção Gente, 1995, ISBN 978-972-711-224-1.

Cortesia de EPergaminho/JDACT