segunda-feira, 31 de julho de 2017

No 31. Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Se triste vou às danças, triste venho; e quando a noite estende húmido manto, a segurar o sono em vão me empenho»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Aniversário de 3 de Março
«Ao som da lira
a dor exponho,
versos componho
filhos da dor.

Gemendo as Musas,
Apolo em pranto
meu triste canto
faça escutar.

De Orfeu saudoso
o plectro invoco,
meu peito rouco
segui-lo quer.

Ah! Se eu pudesse,
rompendo o Averno,
ao sono eterno
ir-te arrancar!...

Ah! Se eu pudesse,
qual outra Alceste,
ao sítio agreste
ir-te buscar!...

Iria afoita,
de ânimo forte;
com a mesma morte
fora lutar».


No dia dos meus anos
«Dia cruel, no qual ao bem resiste
a memória de uns anos desgraçados,
ou brilha vencedor de injustos fados,
ou não tomes a vir como hoje, triste.

Porém que digo? Céus! Em que consiste
o emprego dos meus votos inflamados,
se dos terrenos bens tão desejados,
além da morte, nem um só persiste?

Dure pois muito embora esta violência,
que o peito martiriza sem piedade,
que eu assaz me contento da inocência.

E para a verdadeira utilidade,
receberei, entregue à paciência,
saudáveis lições na adversidade.

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão temos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, fonte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.

Mas ah! Que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.

Como, importuno Amor, ainda procuras
misturar-te entre as minhas agonias?
vai, cruel, para onde os alegrias
no seio da Fortuna estão seguras;

Onde em taças douradas, formosuras,
esgotando o prazer, passam seus dias;
onde acariciado tu serias
por quem nem sabe o nome às desventuras.

Ao som de harmoniosos instrumentos,
no peito, que é de pérolas ornado,
criarás mil suaves sentimentos;

Mas em mim, que sou vítima do fado?!...
Cercada dos mais ásperos tormentos,
achas uma alma só – e um só cuidado.

Bem pode sobre o cândido Oriente
soltar Febo os cabelos douradores,
que quem vive como eu, vê sempre as flores
tintas da negra cor do mal que sente.

Para mim não há prado florescente,
tudo murcham meus ais, meus dissabores,
nem me tornam cantigas dos Pastores
jamais serena a pensativa frente.

Se triste vou às danças, triste venho;
e quando a noite estende húmido manto,
a segurar o sono em vão me empenho.

Não toco a flauta, versos já não canto;
cercada de pesar, mais bem não tenho
que um triste desafogo em terno pranto.

Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.

Veio a noite os objetos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando.
Fui coa ausência da luz esmorecendo.

Neste espaço, em que dorme a Natureza.
Porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa ó peso da tristeza?

Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!»
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’

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