sábado, 22 de julho de 2017

Os cavaleiros de Carneiro e a herança da cavalaria vilã na Estremadura. Os casos de Arruda e de Alcanede. Luís Filipe Oliveira. «Os cavaleiros de carneiro e de costume, que se documentavam na Arruda e em Alcanede, não se confundiam, portanto, com os cavaleiros de quantia, que se generalizaram a partir de inícios do século XIV»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Talvez motivado pelas recentes iniciativas da Coroa, que promovera, no ano anterior, um maior controle sobre as jugadas pagas no termo de Coimbra, o mestre de Avis, Fernão Rodrigues, apresentou ao monarca, em Agosto de 1390, o diferendo que o opunha aos moradores de Alcanede, devido à isenção invocada pelos cavaleiros de carneiro daquela vila. Na ausência de um foral, diziam estes ser costume que quallquer caualeyro de carneyro que fosse fecto pollo alcayde ou per seu padre que o fezesse caualeyro ao dia da sua uoda que taaes caualeyros como estes asi fectos nom pagasem mais por Jugada e oitauo que quatro alqueires de trijgo E que de todo o all que pagam os peõoes fossem scusados. Para o mestre, era evidente a nulidade de tal privilégio, que não decorria da posse de cavalo e de armas para o serviço do rei e que não respeitava anteriores disposições de Afonso IV e de Fernando I. De resto, foi o respeito por tais ordenações que moveu João I a dirigir-se aos juízes de Alcanede e a decretar que taaes caualeyros de carneyro asi fectos nom escusasem de pagar oitaua saluo se teuessem cauallo e armas pera seruiço d el Rey e defenssom da terra.
A intervenção régia não encerrou, porém, a contenda. Mal passara um mês e já o mestre se via obrigado a solicitar nova carta, porque o chanceler da Casa do Cível, Vasco Esteves, avocara o feito e permitira que o concelho embargasse, perante os juizes locais, a execução da carta régia anterior. Como deliberara com os do Conselho, em Relação, que taaes caualeiros de carneiro pagassem todauja jugada e oitauo, o monarca proibiu o chanceler de ouvir as partes e de prosseguir o caso, porque entendia confirmar a carta que fôra dada ao mestre. Para João I, que não tardaria a legislar sobre o pagamento de jugadas, a derrogação dos privilégios de isenção dos cavaleiros de carneiro era um assunto encerrado. O usufruto das rendas de Alcanede, que ele detinha, em tença, desde Maio de 1386, foi talvez o que levou o mestre a tresladar em Avis, a 18 de Agosto de 1403, a citada carta de Setembro de 1390. Dispor de várias cópias dessa carta, era uma forma de salvaguardar os seus direitos, obstando a que alguém se eximisse ao pagamento de jugada. A precaução podia ocultar, porém, algumas dificuldades na cobrança do tributo aos antigos cavaleiros de carneiro. Em rigor, nada indica que assim tenha sido, mas aquela carta régia foi de novo copiada a 1 de Fevereiro de 1425, quando corria outra demanda entre a Ordem e o concelho de Alcanede, a propósito da jurisdição da vila. Dois anos depois, também se tresladaria a carta régia de Agosto de 1390, a pedido do ouvidor do mestre, Álvaro Afonso, que a apresentou ao juiz dos feitos do rei, sem que o facto guardasse, contudo, relação visível com qualquer problema na cobrança das jugadas em Alcanede.
O usufruto das rendas de Alcanede, que ele detinha, em tença, desde Maio de 1386, foi talvez o que levou o mestre a tresladar em Avis, a 18 de Agosto de 1403, a citada carta de Setembro de 1390. Dispor de várias cópias dessa carta, era uma forma de salvaguardar os seus direitos, obstando a que alguém se eximisse ao pagamento de jugada. A precaução podia ocultar, porém, algumas dificuldades na cobrança do tributo aos antigos cavaleiros de carneiro. Em rigor, nada indica que assim tenha sido, mas aquela carta régia foi de novo copiada a 1 de Fevereiro de 1425, quando corria outra demanda entre a Ordem e o concelho de Alcanede, a propósito da jurisdição da vila. Dois anos depois, também se tresladaria a carta régia de Agosto de 1390, a pedido do ouvidor do mestre, Álvaro Afonso, que a apresentou ao juiz dos feitos do rei, sem que o facto guardasse, contudo, relação visível com qualquer problema na cobrança das jugadas em Alcanede.
Mais do que o fracasso destas comunidades na defesa dos seus costumes, em particular quando se opunham à Coroa e aos senhores locais, importa sublinhar a existência de um tipo particular de cavalaria naquelas duas vilas da Estremadura, do qual pouco se tem falado e pouco se conhece. Designada de formas diversas, mas pouco prestigiadas, e apenas descrita quando foi condenada à extinção, aquela cavalaria peculiar não se limitava, contudo, às vilas de Arruda e de Alcande. De facto, em Junho de 1392, quando se dirigiu ao concelho de Coimbra, esclarecera o monarca que os cavaleiros ditos de foro ou de vara ou de carneiro ou de rocim de XXX libras da moeda antiiga que se soyam a fazer per os alcaides das villas não beneficiariam de qualquer isenção fiscal, norma que seria integrada, pouco depois, nas ordenações sobre o pagamento de jugadas. Nas Cortes de Lisboa de 1371, a propósito da isenção de jugada, já Fernando I distinguira os cavaleiros de quantia daqueles que os conçelhos fazem de seu foro”, perguntando a quais se referiam os procuradores concelhios. O esclarecimento veio nas Cortes do Porto do ano seguinte, quando se precisou que estavam em causa os cavaleiros de quantia e não os de foro, ou de carneiro.
Os cavaleiros de carneiro e de costume, que se documentavam na Arruda e em Alcanede, não se confundiam, portanto, com os cavaleiros de quantia, que se generalizaram a partir de inícios do século XIV e que estavam obrigados a possuir cavalo e armas, desde que o valor dos seus bens ultrapassasse um determinado montante, variável de localidade para localidade. Tal como eles, distinguiam-se dos peões pela isenção fiscal, embora não estivessem sujeitos à avaliação dos seus bens pelos coudéis, nem possuíssem os cavalos e as armas exigidas pela Coroa. No fundo, a sua honra de cavaleiro provinha de um costume imemorial, aceite por todos, que pouco tinha a ver com as novidades que a monarquia introduzira, ao longo do século XIV, no recrutamento dos cavaleiros dos concelhos. Os dados recolhidos permitem caracterizar, um pouco melhor, esta singular cavalaria de carneiro. Em Alcanede, a cavalaria podia ser conferida pelo alcaide, ou pelo progenitor do candidato em dia de sua uoda britando hüu taraço cheo de vinho na parede. Posto que o cavaleiro assim feito não possuísse cavalo e armas com que servisse o rei, como então se reconheceu, entendia-se que essa cavalaria escusava-os dos foros pagos pelos peões e que lhes dava o privilégio de não solver mais que 4 alqueires de trigo, por todos os bens que detivessem. Em termos locais, isso era, talvez, quanto bastava para os distinguir do comum das gentes». In Luís Filipe Oliveira, Os cavaleiros de Carneiro e a herança da cavalaria vilã na Estremadura. Os casos de Arruda e de Alcanede, Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Revista Medievalista, ano 1, número 1, 2015, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT