terça-feira, 11 de julho de 2017

A Virgem e o Cigano. DH Lawrence. «A velha senhora fincava as mãos nos braços da cadeira. Toda a gente se levantava e ficava imóvel enquanto ela, apoiada ao braço da tia Cissie, se deslocava lentamente»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Aquilo com que as raparigas mais se importavam, quando levavam os seus jovens amigos lá a casa, era o facto de a avó se encontrar sempre ali, como um horrível ídolo de carne velha, que atraía sobre si todas as atenções. Só havia aquela única sala para todos e ali estava a velha senhora sentada, enquanto a tia Cissie mantinha sobre ela uma sarcástica vigilância. Toda a gente devia ser, em primeiro lugar, apresentada à avó e ela estava sempre pronta a mostrar-se sorridente, pois gostava de companhia. Tinha de saber quem era toda a gente, de onde é que vinham, todas as circunstâncias das suas vidas. E, então, quando já estava au fait, monopolizava a conversa. Nada conseguia ser mais exasperante para as raparigas. Não é verdade que a velha senhora Saywell é maravilhosa?!
Interessa-se tanto pela vida, quase com noventa anos! Interessa-se pela vida, sim, mas é pela vida dos outros!, dizia Yvette. A seguir, sentia-se imediatamente culpada. No fim de contas era maravilhoso ter quase noventa anos e uma mente ainda tão esclarecida! E a avó na verdade não fazia mal a ninguém! Acontecia apenas intrometer-se. Era capaz de ser muito feio odiar alguém, só porque esse alguém era velho e intrometido. Yvette arrependia-se imediatamente e tornava-se, então, amável. A avó florescia em reminiscências de quando ela era uma rapariga e vivia na pequena cidade de Buckinghamshire. Falava pelos cotovelos e era tão interessante. Na verdade, ela era mesmo maravilhosa.
Uma tarde, apareceram a Lottie, a Ella, o Bob Framley e o Leo Wetherell. Oh, mas entrem! E todos eles se atropelaram para entrarem na sala onde a avó, com a sua touca branca, estava sentada junto da lareira. Avó, este é o senhor Wetherell. É o senhor Que-é-que-disseste? Tem de me perdoar, sou um bocadinho surda! A avó estendeu a mão ao jovem, já um pouco constrangido, e olhou silenciosamente para ele, sem o ver. Não é da nossa paróquia?, perguntou-lhe ela. De Dinnington!, gritou ele. Queremos ir a um piquenique amanhã, a Bonsaíl Head, no carro do Leo. Bem apertados, cabemos todos, disse Ella, em voz baixa. Foi Bonsaíl Head o que disse?, perguntou a avó. Sim! Houve um incómodo silêncio.
Disse que iam de carro? Sim! No do senhor Wetherell. Espero que seja um bom condutor. É uma estrada muito perigosa. Ele é muito bom condutor. Não é muito bom condutor? Sim, é muito bom condutor. Já que vão a Bonsaíl Head, podiam dar um recado a lady Louth. Quando tinha companhia, a avó conseguia sempre puxar o nome desta famigerada lady Louth para tema de conversa. Oh, não passaremos por aí, gritou Yvette. Por onde?, perguntou a avó. Mas têm que ir por Heanor. Todo o grupo se sentou, segundo a expressão de Bob, como se fossem patos embalsamados remexendo-se nas cadeiras. A seguir, entrou a tia Cissie, acompanhada da criada, que trazia o chá. Lá estava o eterno bolo ressesso, que nunca mais se comia e parecia durar para sempre. Depois apareceu um prato com bolinhos pequenos, frescos. A tia Cissie mandara-os buscar à confeitaria. O chá, mamã!
A velha senhora fincava as mãos nos braços da cadeira. Toda a gente se levantava e ficava imóvel enquanto ela, apoiada ao braço da tia Cissie, se deslocava lentamente e com dificuldade para o seu lugar à mesa. Durante o chá chegou Lucille, vinda do seu emprego na cidade. Estava completamente esgotada, com grandes olheiras. Soltou um grito ao ver toda aquela gente. Quando o barulho abrandou e voltou a surgir o constrangimento, a avó disse: Nunca me tinhas falado do senhor Wetherell, pois não, Lucille? Não me lembro, respondeu Lucille. Não é possível que o tenhas feito. O nome é-me inteiramente estranho. Com um ar ausente, Yvette pegou noutro bolo do prato que agora se encontrava quase vazio. A tia Cissie, que ficava quase louca pelas maneiras distraídas e imprudentes de Yvette, sentiu a raiva apertar-lhe o coração. Pegou no seu próprio prato, onde ainda se encontrava o único bolinho de que se havia servido, e perguntou, com uma cáustica polidez, a Yvette: não queres também o meu?» In DH Lawrence, A Virgem e o Cigano, 1926, Editora Assírio & Alvim, 1984, colecção O Imaginário, ISBN 978-972-370-164-7.

Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT