terça-feira, 4 de julho de 2017

O Crime dos Illuminati. 1787. César Vidal. «Tratava-se de alguma carta para a noiva ou a mãe?, perguntou Koch ao ébrio sacerdote. Não, respondeu acalorado. Não, não, não. Ora essa!»

Cortesia de wikipedia

Os Filhos da Luz. Baviera, 1787
«(…) O assassino deixou alguma pista?, quebrou finalmente o silêncio Steiner. Quer dizer, cabelos, um botão, um pedaço de roupa... Absolutamente nada, respondeu o médico. Quase..., quase dá a impressão de que se preocupou em apagar qualquer pista depois de matar e sodomizar o rapaz. Ou então era um fantasma... Ora, vamos!, protestou o juiz quando ouviu as últimas palavras. Tudo isso já é bastante complicado em si para que o senhor se dedique a brincar com as palavras. Um fantasma, repetiu mentalmente Steiner. Definitivamente, nada daquilo iria agradar a Koch.

Baviera, 1787
Mais de uma vez, mais de duas, mais de uma centena, Koch tinha-se perguntado por que Lebendig e, principalmente, a casa de Lebendig não lhe provocavam nenhuma sensação de mal-estar. E isso apesar de que, sem nenhuma espécie de dúvida, nunca tinha conhecido ninguém tão desorganizado quanto ele. Não, nem antes nem depois que cruzara o seu caminho ele tinha tido a oportunidade de ver alguém semelhante. Era curioso mas, para dizer a verdade, as suas vidas nunca teriam se cruzado se não fosse por aquele padre bêbado. Sim, bendito padre bêbado. Tinha chegado numa manhã, fazia nove anos, sufocado e furioso, afirmando que desejava recuperar alguns papéis pessoais que andavam em poder de um tal Lebendig. Durante alguns minutos, o polícia que o atendia o ouvira com enorme interesse, quase com devoção, se fosse possível usar essa expressão de uma forma que não soasse imprópria, mas não tinha demorado a perceber que aquele homem dizia apenas incoerências e que nada indicava que tivesse sido objecto de algum acto punido pela lei. Foi nesse momento que, alegando que o caso que lhe expunha requeria uma pessoa mais importante, tinham-no encaminhado para ele.
Koch tinha precisado apenas de dois minutos para compreender que o clérigo em questão se sentia enormemente ofendido e que transpirava desejos de vingança por cada poro da pele. O máximo que podia se perceber, no entanto, era que um sujeito chamado Lebendig tinha dado dinheiro ao padre em troca de que escrevesse em alguns papéis. Pensou imediatamente que devia se tratar de um analfabeto necessitado de um copista. Havia-os, tanto uns quanto outros, aos montes em Ingolstadt.
Tratava-se de alguma carta para a noiva ou a mãe?, perguntou Koch ao ébrio sacerdote. Não, respondeu acalorado. Não, não, não. Ora essa! Ele me fazia escrever..., só isso. Ah, sim, disse Koch respirando fundo, mas isso, padre, se me permite dizer, não é um crime. O sacerdote passou os dedos pelo rosto como se quisesse arrancar alguma coisa muito grave que tivesse ficado agarrada à sua pele. Calma, calma, é que... Bem, primeiro, ele me fez escrever. Nada em especial. O que eu quisesse. E eu escrevi. Eu escrevi! Modéstia à parte, posso dizer que desde meus tempos de seminário poucas pessoas tiveram uma letra melhor do que a minha. E assim era. Não ficaria bem eu negar isso... Koch concordou com a cabeça, enquanto se perguntava mentalmente quanto tempo seria capaz de suportar aquela história.
Então ele me manteve escrevendo um tempinho. Não muito. Um tempinho. Um tempinho, repetiu Koch, procurando lhe dar segurança. Mas depois começou a me dar bebida, continuou o padre com uma mistura de arrependimento e raiva na voz. À força?, perguntou Koch, embora tivesse consciência de que a pergunta era totalmente desnecessária. À força? Bem, não..., não acho que se possa dizer que ele tenha me forçado. Não, na verdade ele não fez isso mas...» In César Vidal, O Crime dos Illuminati, 1958, tradução de António Borges, Relume Dumará, Ediouro Publicações S.A., 2006, ISBN 857-316-6491-3.

Cortesia de RDumará/JDACT