quarta-feira, 31 de março de 2021

O Segredo de Helena. No 31. Lucinda Riley. «Tornando a entrar no corredor, ri do Alex que eu era. E me encolhi diante do meu eu anterior, aos 13 anos, um completo egocêntrico e perfeito pé no saco»

Cortesia de wikipedia e jdact

Pandora, Chipre. 19 de Julho de 2016

«Comecei a ver a casa à medida que fui contornando com o carro os perigosos buracos, ainda não tapados, mesmo depois de dez anos, e cada vez mais fundos. Sacolejei mais um pouco, depois parei e contemplei Pandora, achando que não era assim tão bonita, ao contrário das requintadas fotos de imóveis de classe alta que vemos em sites que alugam para temporadas. Em vez disso, ao menos vista pelos fundos, era uma casa sólida, sensata e quase austera, como sempre imaginei que teria sido seu habitante anterior. Construída com pedras locais de tom claro e quadrada como as casas de Lego que eu montava quando menino, Pandora erguia-se da terra árida e pedregosa que a cercava e que, até onde a vista alcançava, estava coberta de tenras vinhas que começavam a brotar. Tentei conciliar a realidade com a imagem que eu levava na mente havia dez verões e concluí que a memória me prestara bons serviços. Depois de estacionar o carro, contornei as paredes maciças até à frente da casa e o terraço, que é o que coloca Pandora acima do lugar-comum e a inclui numa espectacular categoria própria. Atravessando o terraço, fui até à balaustrada erguida na sua borda, no ponto exacto que antecede o início do declive suave do terreno: uma paisagem repleta de vinhedos, uma ou outra casa pintada de branco e extensos olivais. Ao longe, uma linha de um azul-turquesa cintilante separava a terra e o céu.

Notei que o sol dava uma verdadeira aula magna ao se pôr, penetrando com os seus raios amarelos no azul e o transformando em ocre. É interessante, pois sempre achei que a combinação de amarelo e azul resultava em verde. Olhei à direita, para o jardim abaixo do terraço. Os bonitos canteiros, tão cuidadosamente plantados por minha mãe dez anos antes, não tinham sido bem tratados e, sedentos de atenção e água, foram dominados pela terra árida e suplantados por um mato feio e espinhoso. Mas ali, no centro do jardim, tendo ainda presa a ela uma ponta da rede em que a mãe costumava se deitar, as cordas parecendo espaguete velho e esfiapado, erguia-se a velha oliveira. Velha foi o apelido que lhe dei na época, por ter sido informado pelos adultos que me cercavam de que ela o era. De facto, enquanto tudo ao redor morrera e fermentara, ela parecia haver crescido em estatura e majestade, talvez roubando a força vital dos seus vizinhos botânicos depauperados, decidida, ao longo de séculos, a sobreviver.

Era muito bonita: uma vitória metafórica sobre a adversidade, com cada milímetro do tronco nodoso a exibir orgulhosamente a sua luta. Perguntei-me porque os seres humanos odeiam o mapa da sua vida que transparece no próprio corpo, enquanto uma árvore como essa, ou uma pintura desbotada, ou uma construção desabitada, quase em ruínas, são enaltecidas pela sua antiguidade. Pensando nisso, voltei-me para a casa e fiquei aliviado ao ver que, pelo menos por fora, Pandora parecia ter sobrevivido ao seu abandono recente. Na entrada principal, tirei do bolso a chave de ferro e abri a porta. Ao percorrer os cómodos na penumbra, protegidos da luz pelas persianas cerradas, percebi que as minhas emoções estavam entorpecidas, e talvez fosse melhor assim. Não me atrevi a começar a sentir coisas, porque esse lugar, talvez mais do que qualquer outro, guarda a essência dela... Meia hora depois, eu já tinha aberto as janelas do térreo e tirado os lençóis de cima dos móveis do salão. Parado numa bruma de partículas de poeira que captavam a luz do sol poente, lembrei-me de ter pensado, na primeira vez em que vi a casa, que tudo parecia muito velho. E me perguntei, ao olhar para as poltronas afundadas e o sofá puído, se, tal como a oliveira, o velho e ultrapassado em certo ponto se torna simplesmente velho, sem continuar a envelhecer de modo visível, como os avós grisalhos para uma criança pequena.

A única coisa na sala que tinha mudado de forma a ficar irreconhecível era eu, é claro. Nós, humanos, completamos a maior parte da nossa evolução física e mental em nossos primeiros anos no planeta Terra, de bebés a adultos plenos num piscar de olhos. Depois disso, ao menos por fora, passamos o resto da vida mais ou menos com a mesma aparência, apenas nos transformando em versões mais flácidas e menos atraentes do nosso eu jovem, à medida que os genes e a gravidade fazem o que sabem fazer de pior. Quanto à dimensão afectiva e intelectual das coisas..., bem, devo acreditar que há algumas vantagens que compensam o lento declínio do nosso envoltório externo. Estar de volta a Pandora me mostrou com clareza que elas existem. Tornando a entrar no corredor, ri do Alex que eu era. E me encolhi diante do meu eu anterior, aos 13 anos, um completo egocêntrico e perfeito pé no saco». In Lucinda Riley, O Segredo de Helena, 2016, Editora IN, 2018, ISBN 978-989-776-064-8.

Cortesia de EIN/JDACT

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