domingo, 7 de março de 2021

Santos Guerreiros e Mártires. Paula P. Costa e Joana Lencart. «… linha norte do rio Tejo, com especial concentração junto a Tomar, na zona da Beira Interior e de Trás-os-Montes, ambas perto da fronteira com Castela»

Cortesia de wikipedia e jdact

Da violência ao culto. Espiritualidade devocional da Ordem de Cristo (1462-1536)

A violência como elemento definidor

«(…) A tradição de culto em torno de personagens guerreiros sobrevive para além dos tempos em que a guerra de reconquista era uma constante e projecta-se para tempos futuros. As continuidades ao longo do tempo em matéria devocional seriam muitas, como se pode perceber. Nesta medida, não surpreende a referência a este conjunto hagiográfico em tempos de transição entre a Medievalidade e a Modernidade e mesmo posteriores.

Cronologia e fontes documentais

A Ordem de Cristo foi fundada, em Portugal, em 1319, na sequência da supressão da Ordem do Templo, tornando-se sua herdeira patrimonial, como já salientamos. Ao património fundiário recebido dos Templários, a Ordem de Cristo foi acrescentando bens e igrejas que aglutinou em comendas ou adjudicou à mesa mestral, resultantes de doações régias e particulares. Estas circunstâncias históricas contribuem para o perfil territorial da nova instituição. A sua grande exposição ao poder régio far-se-ia sentir também ao nível de algumas opções relacionadas com a gestão dos bens que a Ordem geria. Por exemplo, em 1411, o rei João I dotara a Casa do Infante Henrique com um património que geograficamente se situava na mesma área, ou em zonas contíguas, ao da Ordem de Cristo. Assim se compreende que, em 1420, o infante Henrique tenha recebido de seu pai a administração desta Ordem.

A expansão ultramarina representará também uma dilatação do património da Ordem de Cristo, em virtude de o infante Henrique ter sido o seu principal promotor na primeira metade do século XV. Em consequência, em 1456, Nicolau V entrega à Ordem o domínio e jurisdição espiritual sobre todas as terras descobertas e a descobrir ao longo da costa africana. Sem que as fontes documentais que utilizamos tragam qualquer informação neste sentido, convém ter presente a propagação de referentes devocionais por intermédio dos freires em território além mar, miscigenando-os com tradições locais. A Ordem de Cristo, desde o início reflectiu uma ligação estreita com a Coroa que se intensificou e até chegou a fundir-se.

A partir de 1495, a governação da Ordem é assumida pelo próprio rei Manuel I, na continuidade da sua actuação como Mestre-Governador já desde 1484. A cronologia seleccionada para este trabalho está balizada entre 1462 e 1536, anos que correspondem aos registos de visitações conhecidos para a Ordem de Cristo, entre os meados dos séculos XV e XVI (Costa, 2012: 415-437, altura esta em que se verificaram transformações de fundo relacionadas com a incorporação definitiva das Ordens de Cristo, de Santiago e de Avis na Coroa. Foram identificados registos, com informação de carácter hagiográfico, para os anos 1462, 1505, 1507 e 1536. Se das visitações feitas até à década de 60 do século XV não se conhecem os respectivos relatórios resultantes da actividade dos visitadores, para o período indicado (1462-1536) são vários os textos conhecidos e que vão reportando uma situação muito estável ao longo do tempo. Por seu turno, os registos que se conservam de meados dos anos 30 do século XVI são particularmente interessantes, pois foram produzidos no âmbito da reforma da Ordem encomendada pelo rei a fr. António de Lisboa. Em 74 anos foram visitadas cerca de meia centena de localidades, dispersas territorialmente numa área que corresponde à linha norte do rio Tejo, com especial concentração junto a Tomar, na zona da Beira Interior e de Trás-os-Montes, ambas perto da fronteira com Castela. Este conjunto espelha completamente a área de implantação da Ordem de Cristo. Em certos casos, as visitações reincidem nos mesmos locais. Entre estes, apenas se contabilizaram uma vez os santos patronos e os que adornavam os diversos altares das respectivas igrejas, capelas e ermidas. Outras vezes, apesar de se conhecer a localidade visitada, não é nomeado qualquer templo, pelo que não puderam ser incluídos neste estudo». In Paula P. Costa e Joana Lencart, Da violência ao culto: santos guerreiros e mártires na espiritualidade devocional da Ordem de Cristo (1462-1536), Roda da Fortuna. Revista Eletrónica sobre Antiguidade e Medievo, 2019, Volume 8, Número 1, ISSN: 2014-7430.

Cortesia de Roda da Fortuna/ Revista Eletrónica sobre Antiguidade e Medievo/JDACT

JDACT, Paula Pinto Costa, Joana Lencart, Cultura e Conhecimento,