quinta-feira, 4 de março de 2021

Santos Guerreiros e Mártires. Paula P. Costa e Joana Lencart. «Desde a formulação da sua matriz conceptual no século XII, as Ordens Militares foram associadas à concretização da guerra santa sobretudo em zonas periféricas do espaço europeu…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Da violência ao culto. Espiritualidade devocional da Ordem de Cristo (1462-1536)

«A Ordem de Cristo, desde a sua fundação no século XIV, reflectiu uma espiritualidade devocional que incluía o culto dos santos guerreiros e mártires, reflexo da sua matriz religiosa e militar, herdada já dos Templários. As fontes utilizadas para este estudo são os registos de visitações feitos às igrejas da Ordem de Cristo, entre 1462 e 1536. Através destes apontamentos, é possível reconstituir os santos venerados nas igrejas e ermidas, bem como nas capelas e nos altares no interior desses templos, em cerca de meia centena de localidades. Os santos guerreiros e mártires são particularmente cultuados em lugares associados à sede conventual e à defesa da fronteira, tanto muçulmana como castelhana». In Resumo

Da violência ao culto. Espiritualidade devocional da Ordem de Cristo (1462-1536)

A violência como elemento definidor

«A Ordem de Cristo é uma Ordem Militar com a singularidade de ter sido criada apenas no século XIV, mais concretamente em 1319. O contexto histórico imediato desta criação é a supressão da Ordem do Templo em 1312. Numa leitura mais ampla, porém, conseguem-se identificar causas que não se ligam exclusivamente à vontade de perpetuar a herança matricial dos Templários. A própria bula fundacional da Ordem de Cristo aponta para um programa de acção ligado à ideologia da cruzada tardia e à sua aplicação à área do estreito de Gibraltar, onde a pirataria e o corso convidavam à participação activa de Portugal. Assim, percebe-se que os interesses económicos não sejam os únicos subjacentes a esta opção e que emerjam, em simultâneo, objectivos no domínio político, religioso e cultural que se reflectem na evolução histórica da Ordem de Cristo. O seu quadro devocional não é imune a estas questões.

Desde a formulação da sua matriz conceptual no século XII, as Ordens Militares foram associadas à concretização da guerra santa sobretudo em zonas periféricas do espaço europeu, desde o Oriente Latino, à Península Ibérica Pimenta, e ao Báltico. A assunção da violência como elemento definidor de uma matriz espiritual reforça a novidade das Ordens Religioso-Militares e faz delas instituições de grande utilidade sociopolítica na cronologia em questão. Nos moldes definidos, a actuação militar foi incorporada como factor de distinção programática destas instituições face a outras Ordens Religiosas, como as Monásticas, e como factor de salvação dos freires que nelas professavam. Favorecida por esta conjuntura, a violência é incorporada na teologia cristã e legitimada como factor de pacificação, sem que isto encerrasse forçosamente um paradoxo. Ou seja, sobretudo, no quadro da história dos territórios do Oriente Latino e da Península Ibérica, a violência era canalizada para a conquista de novos espaços, que gradualmente se convertiam em territórios organizados e com traços de tendente estruturação estatal.

Tendo em consideração estas circunstâncias, importa perceber o modo como a Ordem de Cristo manifestava esta religiosidade guerreira nos seus templos e como a transpunha para o nível devocional. Uma leitura restrita sobre os santos directamente relacionados com a actividade guerreira inclui como os mais representativos S. Sebastião, Santiago, S. Miguel e S. Jorge. A avaliação da expressão deste grupo hagiográfico entre a Ordem de Cristo é potenciada pela inclusão de outros elementos marcantes de uma sociedade em que a guerra fazia parte da sua imagem de marca e modelava comportamentos. A alusão frequente a santos que tinham conhecido o martírio como forma de punição, e em simultâneo de salvação, pode constituir um elemento de reflexão interessante no quadro da teologia da violência, típica do mundo medieval em que nos centramos. A própria realidade histórica da Península Ibérica, em que a reconquista foi tida como o motor fulcral, coloca em evidência a necessidade de estudos do perfil do que agora desenvolvemos.

No ocidente peninsular, em paralelo com o desenvolvimento da reconquista, ocorreu a valorização de Santiago de Compostela enquanto grande centro devocional. A lenda de Santiago é repleta de significados e reconhece ao santo vários atributos e representações. No contexto histórico em que nos situamos, a de Santiago Mata-Mouros é a mais emblemática. Trata-se, de facto, de uma síntese entre a violência e o culto, adaptada ao contexto histórico peninsular de modo particular». In Paula P. Costa e Joana Lencart, Da violência ao culto: santos guerreiros e mártires na espiritualidade devocional da Ordem de Cristo (1462-1536), Roda da Fortuna. Revista Eletrónica sobre Antiguidade e Medievo, 2019, Volume 8, Número 1, ISSN: 2014-7430.

Cortesia de Roda da Fortuna/ Revista Eletrónica sobre Antiguidade e Medievo/JDACT

JDACT, Paula Pinto Costa, Joana Lencart, Cultura e Conhecimento,