quarta-feira, 26 de maio de 2010

Frei Amador Arrais: Os Diálogos. «Quis usar de estilo comum e vulgar, que serve para todo o género de gente, e deixar muitas cousas que são das escolas e dos entendimentos nelas exercitados»

(1530-1600)
Beja
Cortesia de correioalentejo
Frei Amador Arrais, foi um religioso e escritor português do século XVI.
Eleito bispo de Portalegre em 1581, teve papel de relevo na construção da Sé Catedral e contribuiu para o resgate dos prisioneiros de Alcácer Quibir.

Cortesia de flickr
Devido a um litígio que manteve com o cabido da Diocese, resignou ao bispado de Portalegre e retirou-se, em 1596, para o Colégio do Carmo de Coimbra. Sendo considerado um dos prosadores clássicos portugueses mais significativos, escreveu uma vasta obra, de onde se destacam os «Diálogos» de 1589, começados pelo seu irmão, o Doutor Jerónimo Arrais, que morreu sem os concluir. Aqueles consistem em simples conversas ao pé de um doente, que é sucessivamente visitado por dez amigos (um médico, um pregador, um fidalgo, legistas, etc.). As personagens discursam sobre assuntos históricos e preocupações políticas, ao longo dos quais, por vezes, os interlocutores se limitam a reforçar entre si as opiniões comuns.
Frei Amador Arrais optou por escrever estes «Diálogos» em português para que pudessem ser bem divulgados entre os naturais.

Cortesia de auladeliteraturaportuguesa
No diálogo Da Gente Judaica refere: «E tenho por melhor linguagem a nossa portuguesa que a de Itália, porque em menos palavras contém mais conceitos e com menos rodeios e mais graves termos descobre o que se pretende, além de conservar manifestos vestígios da antiga língua latina, que foi uma das três do mundo mais esclarecidas».
Recorrendo a um estilo equilibrado e sóbrio, encontramos, no entanto, na obra de Frei Amador Arrais as comparações, as citações, as imagens e as referências a personagens bíblicas que revelam uma vasta erudição. Manifesta uma grande preocupação na construção do período, na arrumação das ideias e das palavras, tendo um grande domínio da linguagem.

Bula de promoção de D. Frei Amador Arraiz a Bispo de Portalegre (…)
Manuscrito, 30/10/1581
Frei Amador Arrais, com a devida vénia para a Fundação Calouste Gulbenkian, Série HALP n.º 25 – Julho de 2003. A «visão» dos Profs. António José Saraiva e Óscar Lopes sobre este religioso e escritor português do século XVI.

«Não pode deixar de sentir um grande desnivelamento quem passa da leitura da Imagem da Vida Cristã aos Diálogos (1.ª edição 1589) de Frei Amador Arrais, da Ordem dos Carmelitas Calçados, nascido em 1528 e falecido em 1600, após ter desempenhado importantes cargos eclesiásticos, entre eles o de bispo de Portalegre. Se aquela ainda conserva algo do impulso humanístico, estes cingem-se ao critério da Contra-Reforma. Os Diálogos foram começados, segundo declara Frei Amador, por seu irmão, o Doutor Jerónimo Arrais. Não são propriamente arquitectados como debates entre teses opostas, ao modo da Imagem, mas por simples conversas à beira de um doente, que é sucessivamente visitado por dez amigos (um médico, um pregador, um fidalgo, legistas, etc.), limitando-se por vezes os interlocutores a reforçar entre si as opiniões comuns. A erudição clássica constituída por exemplos, anedotas, ditos de filósofos, é nestes diálogos simples excrescência, exterior ao pensamento do autor. O interesse da discussão rasteja, chegando a discutir-se se devem merecer preferência os santos nacionais ou os santos estrangeiros.

Cortesia de evora.net
Amador Arrais não é já um humanista, mas um catequista com a memória recheada de preceitos da cadeira de Retórica. A sua prosa limita-se a ser correcta e acessível, evitando o conceptismo barroco; o próprio autor declara: «quis usar de estilo comum e vulgar, que serve para todo o género de gente, e deixar muitas cousas que são das escolas e dos entendimentos nelas exercitados».
Sob este aspecto, preludia a melhor prosa dos autores religiosos seiscentistas que, apesar do arcaísmo ou ingenuidade da sua ideologia relativamente à mais evoluída cultura europeia, apresentam um progresso literário na medida em que, para se dirigirem a um público leitor mais largo, assimilam a disciplina gramatical e os recursos estilísticos clássicos ao uso das formas correntias do idioma. Mas está por averiguar a originalidade literária da obra: páginas inteiras e seguidas são, sem aviso ao leitor, transcritas ipsis verbis dos Panegíricos de João de Barros.
O que pode interessar neste livro é o testemunho de certa problemática típica da época. O Diálogo terceiro é uma extensa diatribe contra os Judeus, em que se lhes censura a consabida ânsia de lucro usurário. Pelo contrário, o Diálogo quarto faz a glorificação dos rasgos cavaleirescos e cristãos da história portuguesa, na qual o autor tanto admira a dilatação da fé de Cristo pela pregação como pela espada. A cobiça e usura, sobretudo da gente judaica, seriam os responsáveis pela decadência portuguesa, até mesmo (o que raia o absurdo) pelo desastre de Alcácer Quibir. Por outro lado, Arrais defende a subordinação do poder político aos preceitos da religião, dentro de uma tendência teocrática. Nestes moldes de nítido recorte sociopolítico se articula o regimento do bom Príncipe com que termina a primeira parte da obra, a mais concreta e significativa. Os diálogos que consideraremos como formando uma segunda parte da obra constituem um tratado moral, onde se dão, por exemplo, regras precisas sobre o testamento, a maneira de suportar a agonia, etc». In Quatro Escritores da Prosa Doutrinal Religiosa, Profs. A. J. Saraiva e Oscar Lopes
(Quatro Escritores da Prosa Doutrinal Religiosa)
FCGulbenkian/wikipédia/JDACT