segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Génese, Emergência e Institucionalização do Serviço Social Português. Alcina Martins. «Reservou-se o uso de fontes primárias para as temáticas mais directamente relacionadas com o movimento higienista e de medicina social, a beneficência e assistência, as influências sociológicas, psiquiátricas e psicológicas na criação de serviços sociais»


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«Os objectivos laicizadores que as organizações do livre-pensamento e de Maçonaria prosseguiam, de forma concertada e à escala internacional, têm também no cientismo a sua principal base de fundamentação, sendo considerada a ciência como um verdadeiro motor de aceleração na evolução da humanidade.
Um dos efeitos deste pensamento e estratégia é o desenvolvimento das ciências, tais como a Medicina e as Ciências Sociais, que, por sua vez, vão influenciar a orientação de serviços médicos e sociais e a necessidade de actividades que até aí eram exercidas por religiosos ou voluntários passarem a ser desenvolvidas por profissionais.
Na conjuntura de construção do Estado Novo, quando a Igreja já tinha recuperado muito do terreno perdido na travessia dos regimes liberal e republicano, vai assistir-se ao desenvolvimento de uma estratégia internacional de orientação inversa, a tentativa de recristianizar a sociedade. A Igreja pretendia criar uma alternativa à estratégia laicista, retomando os seus privilégios e assumindo um papel preponderante na visão do Mundo. O Estado Novo, tratando-se dum Estado Corporativista e assente em princípios da Doutrina Social da Igreja, apoiará não só essa estratégia da Igreja como a fará sua.
A estratégia metodológica desta pesquisa assentou sobretudo na recolha e na análise documental e bibliográfica.
No que respeita à caracterização da sociedade portuguesa, no período em análise, recorreu-se fundamentalmente a fontes secundárias. Reservou-se o uso de fontes primárias para as temáticas mais directamente relacionadas com o movimento higienista e de medicina social, a beneficência e assistência, as influências sociológicas, psiquiátricas e psicológicas na criação de serviços sociais, a condição da mulher portuguesa e a criação e desenvolvimento do Serviço Social e da Escola Normal Social de Coimbra.

As relações Estado e Igreja do regime Liberal ao Estado Novo
As relações do Estado com a Igreja em Portugal, no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, atá à constituição do Estado Novo, são marcadas pela implantação de regimes liberais e republicanos e a consequente ‘Questão Religiosa’, pela emergência da ‘Questão Social’, e as propostas socialistas nas suas várias expressões organizativas, e pelos processos de laicização e da revolução científica que atravessam todo este período.


Esta situação torna-se desfavorável para a Igreja: ao perder a hegemonia que detinha no ‘Antigo Regime’ é levada a encetar uma luta para recuperar os privilégios e os bens materiais perdidos com a reforma eclesiástica liberal antimonástica e com as medidas anticlericais republicanas; estas culminam na separação do Estado e da Igreja, disputando com o racionalismo burguês e com a estratégia laicista a influência nas principais instâncias produtoras de ideologia.
Num primeiro momento, a oposição ao liberalismo e ao regime instituído passa, posteriormente, quando o inimigo é também o socialismo, a estabelecer alguns pactos com a nova ordem: vê-se forçada a mover-se no quadro institucional da revolução burguesa e a caminhar para política de ralliement proposta pelo Vaticano.
A ‘Questão Religiosa’ e a ‘Questão Social’ constituem-se em alvos a privilegiar, alternadamente, nessa estratégia de recuperar a hegemonia perdida, decorrendo desse posicionamento o equacionar do tipo de agentes a utilizar nas organizações sociais da Igreja, em contraposição à profissionalização e ao pessoal laico que o Estado tende cada vez mais a contratar.
Analisar o modo como a Igreja em Portugal se foi confrontando e como reagiu aos processos atrás mencionados, privilegiando entre os seus diversos sectores os que partilham as directrizes da Democracia Cristã, base doutrinária do próprio ‘Estado Novo’.
Seguindo a periodização adoptada por Braga da Cruz, na análise da democracia cristã e as suas ligações ao salazarismo, apontam-se as seguintes fases:
  • A primeira, que vai de 1843 a 1894, é caracterizada pelo associativismo católico antiliberal, cujo alvo é o liberalismo; torna-se polémica quando se discutia se a intervenção pública dos católicos, face à ‘Questão Religiosa’, devia ou não passar pela organização de um partido católico, acabando por ser subestimada a intervenção da Igreja na ‘Questão Social’;
  • A segunda fase, de 1894 a 1910, protagoniza o sindicalismo católico como alternativa ao movimento operário e às ideias socialistas, de modo que o socialismo passou a constituir-se no inimigo principal, privilegiando a Igreja neste período a intervenção na ‘Questão Social’;
  • A terceira fase, de 1910 a 1934, caracteriza-se pela organização política dos católicos, a partir da criação em 1917 do Centro Católico Português, que terá uma intervenção parlamentar, numa estratégia de ralliement com os poderes existentes, até, ser dissolvido no Estado Novo, para se transformar em Acção Católica. Nesta fase acentua-se o processo de corporativização da democracia cristã, construem-se as bases da fundamentação e da aliança dos católicos com o Estado salazarista, e a Igreja passa a conferir maior atenção aos problemas sociais, cada vez mais identificados como problemas morais, e aos agentes a recrutar para uma intervenção nesse âmbito.
As relações Estado e Igreja no Regime Liberal
Associativismo católico antiliberal
O processo político revolucionário de 1820-1834 desencadeia um anticlericalismo de feição liberal que, não sendo contrário ao desenvolvimento do cristianismo, procurava diminuir o poder cultural, político e social do clero, baseado no princípio dessacralizador da origem do poder e na compatibilidade entre o catolicismo e o novo regime». In Alcina Martins, Génese, Emergência e Institucionalização do Serviço Social Português, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, ISBN 972-31-0832-1.


A amizade de Julieta Feliz
Cortesia da F. C. Gulbenkian/JDACT