sexta-feira, 29 de março de 2013

A Teologia de Leonardo Coimbra. Pinharanda Gomes. «… sem força mas com simpatia, persiste a vaga romântica do amor da pequena pátria, das liberdades individuais, do respeito pelos bens próprios, na esperança de uma harmonia entre a dor que nos cumpre, e a alegria que ansiamos»

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(continuação)

O Tempo e o Movimento
«O caso de 1910 é exemplar. O povo não mudou, continuou mono-árquico, à espera do Desejado. A minoria intelectual e militar que em Lisboa pôs termo à monarquia hereditária mostrou-se incapaz de achar melhor do que uma monarquia electiva, em que a força do partido substituiu a força da família, base do sistema monárquico. A República nasceu velha e ancilosada. Sampaio Bruno afastar-se-ia pouco depois, clamando que essa não fora a República sonhada. Basílio Telles remeteu-se a um laicismo ascético e reformador, desiludido de quanto sonhara. José Teixeira Rego não escondia que, abortado o golpe de 31 de Janeiro de 1891, data em que o Positivismo ainda não dominava inteiramente o meio intelectual, a proclamação republicana de 1910 surgia como um capricho fora de tempo. A ideia que movia a consciência portuguesa não era a questão do regime; era a questão da cidade humana, com regeneração da Família e da Pátria.
O processo requeria, mais do que uma estratégia política, uma educação filosófica, e uma prática religiosa. O primeiro decénio do século, XX é prolixo em ideologia. Engastando somente as pedras ideológicas substantes, a, sociedade portuguesa vê o Positivismo implantar-se nas mentes, sem que ache adequada física social para a tradição portuguesa. Teófilo Braga compensa o excessivo compromisso positivista na ordem metodológica e política com a arqueologia do património, popular, literário, legendarístico, artístico e sacral, mas sem descobrir, no acervo coligido, a linha de vida que aperfeiçoasse, ou substituísse, o abstraccionismo positivista. A mais importante instituição portuguesa, a Igreja, sobrevive sem dote material, com uma hierarquia onde só então começam a aparecer os pastores de intervenção social, Manuel Vieira de Matos, António Mendes Belo... e com dois problemas filosóficos: um Modernismo teológico que ascende, e quer a revisão dogmática, e um Neo-Tomismo que, em vez de filosofar, se limita a divulgar as ideias de santo Tomás e dos tomistas posteriores. Enquanto em França se afirma um Neo-Tomismo pensante, em Portugal, o Neo-Tomismo é sobretudo divulgante e historicista. A Igreja encara, dentro e fora, um laicismo acentuado, com recusa do ministério sacerdotal, recusa essa expressa no anticlericalismo que é, na verdade, um anticristismo, porque o sacerdote é teologicamente alter Christus.
Enfim, como ambiente social geral, sem força mas com simpatia, persiste a vaga romântica do amor da pequena pátria, das liberdades individuais, do respeito pelos bens próprios, na esperança de uma harmonia entre a dor que nos cumpre, e a alegria que ansiamos». In Pinharanda Gomes, A Teologia de Leonardo Coimbra, Guimarães Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1985.

Cortesia de Guimarães Edt./JDACT