sexta-feira, 8 de março de 2013

Isabel de Portugal. Duquesa de Borgonha. Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval. Daniel Lacerda. «A embaixada da Borgonha chega a Cascais a 28 de Dezembro de 1428 e daí segue para Arraiolos, uma vez que a corte permanecia então em Estremoz onde era esperada a chegada da infanta Leonor de Aragão, noiva do príncipe Duarte»

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A beleza e as qualidades de Isabel
«As damas da corte recebem, de ora em diante, ordens de Isabel, que toma sob sua protecção os irmãos mais jovens, Fernando e João. É ela quem organiza a recepção quando do regresso triunfal do pai e dos irmãos depois da ocupação da cidade de Ceuta, feito de armas que impressiona a Europa inteira. Outros episódios dão testemunho da sua capacidade para utilizar letras de câmbio nas transferências de dinheiro para o estrangeiro, bem como dos seus poderes para assinar documentos administrativos. O infante Pedro, cinco anos mais velho, designado duque de Coimbra no regresso de Ceuta, era o irmão preferido de Isabel, pelo espírito de aventura e qualidades de comunicação. Em 1423, no decurso de uma viagem de cariz diplomático e de descoberta dos grandes avanços da civilização no Centro da Europa, Pedro e os cavaleiros que o acompanhavam foram calorosamente recebidos em Bruges (partidas de caça, bailes e vinhos de honra) pelo duque de Borgonha. Ele terá abordado, admite-se, com o duque Filipe, a eventualidade de um noivado que não seria celebrado senão cinco anos mais tarde.

A negociação do casamento
Em 1428 o duque Filipe envia a Portugal André Toulongeon e João I, por sua vez, delega em dois embaixadores, Álvaro, bispo do Algarve, e Fernando Afonso da Silveira, a preparação das condições da união principesca. Sem perder tempo, Filipe faz chegar a Lisboa uma embaixada de prestígio com o objectivo de concluir esse contrato tão ambicionado. Toulongeon era acompanhado pelo senhor de Roubaix e d'Erzelles, por Baudoin de Lannoy, pelo doutor Gil de Tournay, por Jean van Eyck, o célebre pintor que estava ao serviço do duque, e por outras importantes personalidades. O pintor trazia a incumbência de executar o retrato da infanta e para isso viu-se obrigado a interromper o retábulo em que trabalhava, encomendado por Josse Vydt, logo que o duque lhe confiou a missão em Portugal.
A embaixada da Borgonha chega a Cascais a 28 de Dezembro de 1428 e daí segue para Arraiolos, uma vez que a corte permanecia então em Estremoz onde era esperada a chegada da infanta Leonor de Aragão, noiva do príncipe Duarte. A prolongada concertação decorreu no castelo de Avis, onde o rei João, acompanhado dos filhos Duarte, Pedro, Henrique e Fernando, havia recebido os embaixadores do duque Filipe. O rei encarregou os filhos de conduzirem de imediato as negociações do contrato de casamento. Jean van Eyck pintou dois quadros de Isabel, enviados ao duque por dois grupos diferentes de portadores. Partiram a 12 de Fevereiro de 1429 para a Flandres, um por mar e o outro por terra, de maneira a garantir a segurança do transporte; levavam por missão pôr o duque ao corrente do estado das negociações. Durante o tempo em que esperaram ordens, os embaixadores visitaram os reis de Castela e Granada e deslocaram-se a Santiago de Compostela. Regressados no fim de Maio, João I recebeu-os em Sintra; a 4 de Junho prosseguiram as conversações com a participação dos infantes e a 11 foi dado por concluído o texto do contrato de casamento.
Conhecendo o interesse da infanta por aves, o duque enviou-lhe um casal de cisnes. Ainda hoje se pode ver, na grande sala dos infantes do Palácio de Sintra, a decoração do tecto com a figura dos cisnes, que D. João I aí mandou pintar. Essa decoração é interpretada como um símbolo evocador da presença da infanta Isabel ocupando-se sossegadamente desses presentes que Filipe, o Bom, lhe fizera chegar, em 1429, através dos embaixadores. Filipe apreciava também o poema Le Chevalier du Cygne importado de Inglaterra pelos companheiros de armas de seu pai, João Sem Medo.
O contrato só a 23 de Julho foi registado e assinado num notário de Lisboa. No dia seguinte decorreu uma cerimónia de casamento celebrada pelo bispo de Évora no Castelo de Lisboa, na presença do rei, da corte e de representantes do Estado. O duque Filipe estava representado pelo procurador Baudouin de Lannoy, senhor de Roubaix, futuro cavaleiro do Tosão de Ouro. O rei João I, no tocante aos bens afectos à infanta, acertou o pagamento faseado do dote de 154 000 coroas enquanto o duque lhe cederia terras. O rei comprometia-se a conduzir a infanta até aos domínios de Filipe. A frota que transportou Isabel e o seu séquito à Flandres levou vários meses a deixar Lisboa. Antes da partida, prevista para 26 de Setembro, o príncipe herdeiro ofereceu um banquete, seguido de um torneio e de justas em pleno centro de Lisboa, na Rua Nova, tendo a infanta distinguido o vencedor com um diamante. Era uma ocasião para demonstrar, ao mesmo tempo, a riqueza da vida na corte e o alto nível do cerimonial.
O mau estado do mar obrigou ao adiamento da partida. Só em 30 de Setembro o rei, os infantes e as damas da corte se despediram da princesa, que tomou lugar numa das potentes naus da frota, acompanhada de um séquito de cerca de 2 000 pessoas, entre as quais o senhor de Roubaix, Gilles de Tournay, preboste de Harlebecque e o seu irmão mais novo, o infante Fernando. Integraram a comitiva outros senhores, cavaleiros, escudeiros e senhoras da corte, muitos dos quais viriam a permanecer ao seu serviço». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT