quarta-feira, 29 de maio de 2013

D. Maria. 1521-1577. Uma Infanta no Portugal de Quinhentos. Paulo D. Braga. «Embora se tenham projectado vários enlaces, como os que a poderiam ter unido a dois filhos de Francisco I, a Henrique VIII, rei de Inglaterra, ou aos Filipe II e Fernando I, “D. Maria”, por motivos muito diversos, nunca casou»

Óleo de Anthonis Van Dashors. 1522. Convento das Descalças Reais. Madrid
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Introdução
«A infanta D. Maria (1521-1577) foi o único fruto do matrimónio que uniu, em 1518, Manuel I (1469-1521), rei de Portugal, à sua terceira mulher, D. Leonor de Habsburgo (1498-1558). Tinha laços de parentesco com alguns dos mais importantes soberanos da Europa: os imperadores Carlos V (1500-1558) e Fernando I (1503-1564) eram seus tios maternos; Filipe II (1527-1598), rei de Castela, Aragão e Nápoles e, mais tarde, de Portugal, era seu primo e sobrinho; Francisco I (1515-1547), rei de França, era seu padrasto. Tendo perdido o pai com escassos meses de idade, foi privada da companhia da mãe em 1523, só a tendo revisto 34 anos volvidos, num curto encontro realizado em Badajoz. Na prática, foi criada pelo meio-irmão mais velho, João III (1502-1557), e pela mulher deste, que era igualmente sua tia materna, D. Catarina (1503-1578). Conheceu ainda um outro rei de Portugal, seu sobrinho-neto Sebastião I (1554-1578). Conviveu também com vários meios-irmãos, cunhados, sobrinhos e sobrinhos netos de ambos os sexos, alguns dos quais viu morrer.
Teve direito a uma vastíssima fortuna, advinda quer dos termos em que foi elaborado o contrato matrimonial de seus pais quer da herança que lhe ficou por morte da mãe, que entretanto se havia tornado rainha de França pelo seu casamento com Francisco I. Seja como for, razões diversas fizeram com que nem sempre tenha usufruído de tudo aquilo a que tinha direito. Culta, como tantas outras figuras femininas do Renascimento europeu, rodeou-se de outras mulheres igualmente dotadas sob o ponto de vista intelectual e exerceu um não despiciendo mecenato literário e artístico. A posteridade guardou sobretudo esta faceta da sua personalidade. Embora se tenham projectado vários enlaces, alguns dos quais de peso, como os que a poderiam ter unido a dois filhos de Francisco I, a Henrique VIII, rei de Inglaterra, ou aos já referidos Filipe II e Fernando I, D. Maria, por motivos muito diversos, nunca casou.

Uma Infanta na Historiografia
Depois de, como seria de esperar, ter sido referida e elogiada até à exaustão em vida, por exemplo, por André de Resende (1545), João de Barros, cujo panegírico é, datável de 1545, embora só tenha sido editado em 1655, Jorge Ferreira Vasconcelos (1567), Damião de Góis (1566) e Jerónimo Osório (1571), e na hora da morre, a infanta D. Maria surgiu em obras de finais de Quinhentos e de Seiscentos aureolada com virtudes diversas. Veja-se os casos dos textos de Pero Rodrigues Soares, autor que morreu em 1628 ou pouco depois, não tendo visto a sua obra publicada, Pedro de Mariz (1594), Duarte Nunes Leão (1610) e frei Luís dos Anjos (1626).

NOTAS: Gabriel Paiva Domingue,, A sempre noiva. Carta de André de Resende à infanta D. Maria, Humanitas, Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras. Um inventário muitíssimo incompleto da bibliografia sobre a infanta D. Maria foi feito por Isaltina Figueiredo Martins, Bibliografia do Humanismo em Portugal no Século XVI, Coimbra, Universidade de Coimbra. Damião de Góis, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, nova edição, conforme a l.ª, de 1566, parte IV, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1955. Estranhamente, apenas chegou até nós um elogio fúnebre da infanta. Cfr. Domingos Maurício, O elogio fúnebre da infanta D. Maria e os amores de Camões, Brotéria, vol. XVI, fasc. 6, Lisboa, 1933. O nefasto acontecimento também suscitou um epigrama da autoria de Inácio Morais, mas o respectivo texto não é conhecido. Cfr. Aires Pereira Couto, Inácio Morais. Percurso Biográfico e Literário de um Humanista de Quinhentista, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. Duarte Nunes Leão, Descrição do Reino de Portugal, transcrição do texto, notas, aparato crítico e biografia do autor por Orlando Gama, estudos introdutórios de António Borges Coelho, Universidade de Lisboa, 2002.

Entre 1653 e 1668, data da sua morte, frei Miguel Pacheco redigiu, em castelhano, uma importante obra biográfica sobre a infanta. Tendo começado a ser impressa em Madrid, tarefa essa que se interrompeu com a morte do autor, veio depois a sair dos prelos de uma tipografia de Lisboa, em 1675. Neste livro elogiam-se as virtudes de D. Maria, que deveria servir de modelo a D. Isabel Luísa Josefa, filha do então príncipe regente e herdeiro da Coroa portuguesa, o futuro rei Pedro II. Frei Miguel Pacheco era regular da ordem de cristo, fora lente no convento de Tomar e, quando redigiu a sua obra, desempenhava as funções de administrador do hospital real de Santo António dos Portugueses em Madrid.
O século XVIII primou por alguma falta de originalidade. Quem escreveu sobre a infanta D. Maria limitou-se, quase só, a glosar autores do passado, sobretudo frei Miguel Pacheco. Disso são exemplos Manuel Tavares (1734), João São Pedro (1736), António Caetano Sousa (1737), José Pereira Baião (1737) e Diogo Barbosa Machado (1751). Entretanto, a infanta ia merecendo as atenções de autores do século XIX ou dos inícios do XX que, na maior parte dos casos, se baseavam na obra de frei Miguel Pacheco, citando-o ou não. Os seus trabalhos não constituíram propriamente contributos originais. Foi o que se passou com Fonseca Benevides (1828), conde de vila Franca (1884), António da Costa (1892), J. P. Franco Monteiro (1893) e Francisco Paula Villa-Real y Valdivia (1899).'

Marcantes, depois de frei Miguel Pacheco, foram alguns aurores que publicaram nos alvores do século XX, Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1902), Vítor Ribeiro (1907) e Gomes Brito (1907-1910). A primeira, fez a biografia possível da infanta, dando particular atenção aos aspectos relacionados com a faceta cultural. Vítor Ribeiro esclareceu aspectos relacionados com o interesse de D. Maria quer pela zona da Luz quer pelos mais desfavorecidos. Gomes Brito estudou três livros de tenças testamentárias da infanta, publicou um deles e trouxe algumas contribuições esparsas para a biografia da filha de Manuel I e D. Leonor. De referir ainda, da mesma época, um pequeno texto de Joaquim Araújo (1909), que revelou alguns dados soltos, até então desconhecidos». In Paulo Drumond Braga, D. Maria, 1521-1577, Uma Infanta no Portugal de Quinhentos, Edições Colibri, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-689-244-9.

Cortesia de Colibri/JDACT