quarta-feira, 8 de maio de 2013

Eleonor na Serra de Pascoaes. António Cândido Franco. Leituras. «Para a maior parte das pessoas que se interessam pelo estudo da literatura, a poesia portuguesa do século XX começa em Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro e a do século XIX termina em Cesário Verde ou em Camilo Pessanha»

Desenho de deliovargas
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«(…) Uma obra de filosofia, de poesia ou de arte constitui um novo mundo, um novo universo. Solicita atenção contensa, receptividade ou entendimento paciente que garanta o acesso ao que tem de próprio e intransferível, cuidados de interpretação compreensiva poucas vezes cumpridos em breves dias ou semanas, requerendo anos ou decénios de repetido e múltiplo labor. As dificuldades de exegese ou de hermenêutica autênticas de uma obra de filosofia como de uma obra de poesia, resultam sempre iniludíveis. A chamada história literária ou da cultura escondeu-o durante muitos anos. A falta de condigna interpretação da obra de Teixeira de Pascoaes, ou até antes dele da obra bem mais acessível de Antero de Quental, é da mais clara evidência. Não sabemos rigorosamente o que significa, para falar claro e directo, a melhor parte da alta poesia portuguesa.
De então para cá, a situação não se alterou muito e o facto das obras de Pascoaes estarem a serem reeditadas desde 1984 não representa por si só um factor de mudança. A poesia de Pascoaes é encarada como excepção, o que a leva a ser mais tolerada que compreendida. As principais sinopses e perspectivas da poesia portuguesa do século XX continuam a caracterizar-se por uma quase total ausência da poesia de Pascoaes. Para a maior parte das pessoas que se interessam pelo estudo da literatura, a poesia portuguesa do século XX começa em Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro e a do século XIX termina em Cesário Verde ou em Camilo Pessanha. Entre este fim do século XIX e aquele princípio do século XX há um vazio, a que se atribui apenas uma importância secundária onde encontramos a poesia de Teixeira de Pascoaes e a dos poetas do seu tempo.
Se a poesia de Pascoaes é pouco mais que desconhecida, quer porque as principais perspectivas literárias e poéticas do nosso tempo continuem a insistir em não falar dela quer porque quando dela falam, os instrumentos técnicos se mostram inadequados, pois trata-se de uma poesia refractária a visões cristalizadas e medíocres, a poesia do tempo de Pascoaes é perfeitamente ignorada e até ostensivamente desprezada. Contudo, nunca aqueles que quiserem conhecer ou estudar a poesia e a obra de Pascoaes o poderão fazer sem, em simultâneo, estudarem e conhecerem a poesia e a obra dos poetas do seu tempo, pois o texto de Pascoaes mantém laços estreitíssimos, sem o conhecimento dos quais nunca poderá ser devidamente entendido, com o texto do seu tempo. A poesia de Teixeira de Pascoaes não é para nós, como parece ser para boa parte dos nossos contemporâneos, uma excepção incómoda mas tolerada, que parece ter tido lugar num tempo nulo de outras criações poéticas, mas antes a síntese criativa e feliz de um tempo poético importantíssimo. Ela surge, em nosso entender, como o ponto mais alto de um ciclo poético que levantou voo com as Odes Modernas (1875) de Antero de Quental e ganhou altura com A Pátria (1896) de Junqueiro, o (1892) de António Nobre e Oaristos (1890) de Eugénio de Castro.
Este ciclo poético, que parece ter durado sensivelmente meio-século, declinando ou fechando-se no infinito com as poesias de José Régio, Miguel Torga, José Gomes Ferreira e outras, teve o seu ponto mais alto na transição do século XIX para o século XX. Nas suas várias fases, que são as de nascimento, crescimento, apogeu e declínio, muitos poetas deram vida e brilho a este belíssimo ciclo poético, que é, depois do de Camões, o mais importante da nossa história poética». In António Cândido Franco, Eleonor na Serra de Pascoaes, Edições Átrio, Lisboa, Colecção o Chão do Touro, 1992, ISBN-972-599-042-0.

Cortesia de Átrio/JDACT