terça-feira, 26 de novembro de 2013

Duas Irmãs para um Rei. Isabel de Castela e Maria de Castela. Isabel Guimarães Sá. «Bernáldez escreveu uma crónica do duplo reinado, de título: Historia de los Reys Católicos don Fernando y doña Isabel. Esta, ‘apesar de algumas observações mordazes no que respeita a Portugal e aos seus protagonistas, que podem ser verdadeiras’, peca por trocar nomes e datas…»



Isabel, a Católica/jdact

As Fontes. Vários cronistas espanhóis e também alguns italianos
«(…) Com Afonso Palencia (1423-1492) estamos perante um humanista de grandes estudos, e uma longa permanência em Itália, Florença e depois Roma. Como tantos outros homens de letras do seu tempo, era um converso, ou seja, procedia de uma família judia convertida ao cristianismo. Cresceu e foi educado em casa do antigo rabi de Burgos, Pablo de Santa María, também converso, então bispo da cidade. Foi secretário latinista de Henrique IV, mas em 1468 declarou-se a favor do rival deste, Afonso, irmão de Isabel, a Católica. Tornou-se cronista oficial desta última, cargo que exerceu entre 1475 e 1480, ano em que, segundo o seu próprio testemunho, foi destituído pela rainha. Ao contrário de quase todos os outros cronistas, não se coibia de criticar Isabel, a Católica. Continuou a trabalhar até à morte depois de ser exonerado na sua obra monumental, as Décadas em que narra os acontecimentos desde finais do reinado de João II de Castela até ao ano de 1481. A sua crónica é importante para a história de Portugal pelos episódios relativos à guerra de sucessão espanhola, sobretudo as hostilidades compreendidas entre a Batalha de Toro (1476) e os tratados de paz de Alcáçovas-Toledo (1479); é também uma das raras vozes dissonantes em relação a Isabel I que podemos encontrar na cronística do período.
Fernando del Pulgar (1436-c. 1492), por sua vez, é um dos cronistas mais conhecidos do reinado de Isabel e Fernando. Nascido em pleno coração de Castel a, na terra do mesmo nome, perto de Toledo, foi conselheiro de Isabel, a Católica, e nomeado cronista real em 1482, em substituição de Afonso Palencia. A rainha tê-lo-ia visto como um cronista mais adequado à nova etapa de consolidação do poder, em que era preciso sanar as feridas da guerra e não continuar a denegrir Henrique IV e os seus partidários, conforme Palencia vinha fazendo na sua crónica. Como este último, Pulgar também tinha origem judaica, sendo um converso como tantos outros altos funcionários da corte nesta época. Embora um autor de propaganda régia, presenciou muitos dos acontecimentos narrados, e a sua crónica é uma das mais citadas na historiografia. António Nebrija traduziu para latim e publicou a primeira edição da Cronica de los Reys Católicos em seu nome, tal como a versão em castelhano de 1565. Pulgar só surgiu como verdadeiro autor na edição de 1567. O lugar de Pulgar como cronista oficial foi ocupado em seguida por Alonso Santa Cruz (c. 1505-1567).Cartógrafo, historiador e professor, escreveu uma obra com o mesmo título do seu antecessor: Cronica de los Reys Catolicos. Fê-lo muito depois de as suas principais personagens estarem mortas: Isabel morreu um ano antes de ele nascer e Fernando faleceu em 1516.
Outro cronista importante é Andrés Bernáldez (c. 1450-1513), um homem da Igreja, também conhecido por cura de Los Palacios, paróquia da região de Sevilha onde exercia o seu ministério. Ao contrário de outros cronistas como Pulgar ou Palencia, era cristão-velho e hostil aos conversos. Foi capelão de Diego Deza, o homem que tinha a seu cargo a educação do príncipe Juan, herdeiro do trono espanhol; Deza ficou conhecido também por ser amigo de Cristóvão Colombo, e um dos intermediários deste junto dos Reis Católicos. Bernáldez escreveu uma crónica do duplo reinado, de título idêntico às que já referi: Historia de los Reys Católicos don Fernando y doña Isabel, sempre no tom laudatório que se esperava de um cronista. Esta, no entanto, apesar de algumas observações mordazes no que respeita a Portugal e aos seus protagonistas, que podem ser verdadeiras, peca por trocar nomes e datas com demasiada frequência. Tal como muitos dos seus congéneres, presenciou algumas das coisas que relata, ou ouviu falar delas através de informações em primeira mão.
Lorenzo Galíndez Carvajal (1472-1525) era jurista, e foi catedrático em Salamanca, tendo passado ao conselho dos Reis Católicos, que lhe haveriam de encomendar uma compilação de leis e pragmáticas reais, hoje perdida. A carreira deste homem ilustra muito bem o cuidado com que os Reis Católicos orquestraram a escrita da história que lhes dizia respeito: foi encarregado de emendar e corrigir as muitas e por vezes contraditórias crónicas do reinado de Fernando, o Católico, e seus antecessores, afirmando-se como censor e juiz, da cronística referente à Casa de Trastâmara. Pelo lado aragonês, temos outro cronista célebre, Jerónimo Zurita (1512-1580), nomeado cronista-mor de Aragão em 1548. Escreveu a Historia del Rey don Fernando el Católico. De las empresas y ligas de Italia e os Anales de la Corona de Aragón, publicados entre 1562 e 1580. Embora não seja contemporâneo dos tempos que narramos, é um historiador na acepção moderna do termo, porque conhecia bem os arquivos e as obras dos outros cronistas». In Isabel Guimarães Sá, Rainhas Consortes de D. Manuel I, Isabel de Castela, Maria de Castela e Leonor de Áustria, C. de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4710-6.

Cortesia de CL/JDACT