quarta-feira, 16 de abril de 2014

A descoberta da economia-mundo. Immanuel Wallerstein. «É preciso ser intelectual, o que é uma tarefa do que ser um erudito pedante. “Um intelectual é sempre e necessariamente um intelectual público”, mesmo, ou até sobretudo, quando o nega. A negação, quando não a hipocrisia, é de bom tom em muito lado»

Cortesia da cmp, jdact

A unicidade da história
«(…) Donde, logicamente, organizacionalmente, deveríamos ter baseado as nossas chamadas disciplinas numa disciplina única, a que, por mim, chamaria ciências sociais históricas ou historizadas. Magalhães Godinho indica-nos este caminho ao longo de todas as suas discussões sobre a crise da história. Ouçam a sua argumentação:

Ao longo do Cinquecento, as economias não caminharam todas ao mesmo ritmo […] a desgraça de uns era a boa fortuna dos outros […]. Que tais desequilíbrios sejam muitas vezes de origem extra-económica, no sentido estrito ou, melhor, académico que a economia pura dá a este adjectivo, muito bem. Está por fazer, começa a fazer-se, uma teoria do técnico, as inovações estão à cabeça da teoria económica de Schumpeter. Está por fazer a psicologia histórica, quem está a servir de parteiro é Lucien Febvre. Mas a necessidade de teorização impõe-se em todos os domínios e no conjunto dos domínios como um todo. A história não pode deixar de continuar a absorver mais teoria. Mas tem de entender-se o real e, portanto, as suas transformações, o devir; a única forma de, por sua vez, o conseguir é através da historização das teorias, da tecnologia, da psicologia, da sociologia e, porque não, da própria economia. (Godinho, 1971)

Este programa, enunciado em 1951, não foi ainda realizado pela grande maioria dos analistas mundiais. Sem dúvida que, aqui e ali, houve muitos esforços mas, mesmo se admirados, eles não são amplamente seguidos.

O passado relativiza-se no presente
Há todo um mundo a desbravar, desde que quem estude o passado não esqueça o presente e saiba sacrificar ao espírito crítico quer os interesses apaixonados que tudo deturpam porque demasiado exclusivos, quer o cómodo abandono de selecção que nada permite explicar porque tudo confunde. (Godinho, 1971)

Entre todos os temas, considero este o mais importante e o mais radical. As guerras culturais que irrompem quando se utiliza o verbo relativizar! E que afronta à suposta distância imparcial do historiador quando se insiste no facto de que a história é, de facto, uma descrição do presente e não o texto de um passado à moda de Ranke, o passado tal como era realmente. O presente, como se sabe, é o mais evanescente dos fenómenos, terminado antes que possa captar-se. Quando um historiador insiste, como tem a obrigação de fazer, junto de outros cientistas sociais, em que é necessário historizar as análises deles, que são demasiado ou exclusivamente presentistas ele não está a falar, ou pelo menos, não deveria estar, em acrescentar uma cronologia dos acontecimentos ao seu texto. No que ele insiste é em que o presente incorpora o passado, que o passado faz parte integral do presente, e que ele tem de ter isso em conta, não deve pressupor que a fácil teorização do presente se aplica eternamente. Mas, ao mesmo tempo, Magalhães Godinho fala aos historiadores que abandonam a selecção com facilidade porque, assim confundindo tudo, não explicam nada. Há, pois, um caminho estreito a seguir, nem a distorção que as paixões do presente implicam nem a sedutora retirada das paixões do presente que nos cercam, nos formam e nos determinam largamente. É preciso ser intelectual, o que é uma tarefa muito mais difícil do que ser um erudito pedante. Um intelectual é sempre e necessariamente um intelectual público, mesmo, ou até sobretudo, quando o nega. A negação, quando não a hipocrisia, é de bom tom em muito lado». In Immanuel Wallerstein, A descoberta da economia-mundo, Comunicação ao colóquio Le Portugal et le Monde; Lectures de l’Oeuvre de Vitorino Magalhães Godinho, Paris, 2003, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 69, 2004.

Cortesia de wikipedia/JDACT