terça-feira, 8 de abril de 2014

Damião de Góis. The Life and Thought of a Portuguese Humanist. Elisabeth F Hirsch. «Ao invés do rei, o jovem Góis estava mais interessado na questão religiosa do que nos aspectos políticos da mensagem de Mateus. Chega até nós, nas palavras do próprio Góis, o relato da longa conversa que teve com o emissário…»

jdact e wikipedia

A Corte de Manuel I
«(…) Mas Gois e grande número dos seus contemporâneos também viam nesses animais os mensageiros de um outro continente; os elefantes inspiravam-lhes orgulho no poder do homem sobre as forças selvagens da natureza. Assim como os astronautas da era espacial são considerados heróis nacionais, também os aventureiros portugueses do além-mar que tinham descoberto as terras donde vinham os maravilhosos elefantes devem ter suscitado em Góis e nos seus compatriotas uma grande impressão de orgulhos. Embora a Índia tivesse atraído sobremaneira a atenção de Góis durante muitos anos, outras civilizações estrangeiras tiveram para ele um significado pessoal. Estava presente quando foram apresentados ao rei alguns Índios do Brasil; Manuel I informou-se jovialmente do modo como viviam e desafiou-os a demonstrarem a sua famosa destreza com o arco e a flecha. Foi este o primeiro contacto de Góis com uma tribo primitiva, e dá-nos um exemplo da atitude despida de preconceitos que ele tinha para com a gente simples. Em vez de se sentir superior e condescendente, ou de conceber uma ideia romântica dos Índios, Góis, com curiosidade espontânea e calor humano, via-os tal como eles eram de facto. A capacidade de Gois para se colocar no lugar dos outros revelou-se particularmente no seu encontro com Mateus, emissário do Negus da Etiópia a Manuel I em 1514 / 1515. Gois tinha apenas treze anos de idade quando Mateus chegou a Lisboa com o oferecimento de uma aliança militar da parte do Negus e com o pedido de que a Igreja etíope fosse admitida como membro da comunidade cristã do Ocidente, esperança essa que viria, infelizmente, a ruir.
Desde os tempos da Alta Idade Média que circulavam na Europa histórias descrevendo a riqueza e o poder dum soberano cristão no coração da África ou da Ásia. O Infante Henrique tinha mandado os seus marinheiros para o alto mar na esperança de o descobrir e de fazer dele um aliado contra os mouros. Agora tinha-se finalmente encontrado o fabuloso Negus mas as aspirações religiosas dos seus súbditos haviam de ficar frustradas. O monarca Manuel I considerava a Etiópia um aliado militar desejável, potencialmente útil contra as arremetidas dos turcos em direcção ao Mar Vermelho, e recebeu Mateus com todas as honras devidas ao representante duma grande potência. Apesar disso, a resposta que deu ao pedido que o Negus fazia em matéria de religião foi francamente negativa. Reprovando os ensinamentos e as práticas religiosas dos Africanos por pouco ortodoxas, o rei não tinha a menor intenção de considerar a Igreja Etíope como parte do Catolicismo Romano.
Ao invés do rei, o jovem Góis estava mais interessado na questão religiosa do que nos aspectos políticos da mensagem de Mateus. Chega até nós, nas palavras do próprio Góis, o relato da longa conversa que teve com o emissário, o qual, muito provavelmente, lhe explicou os pontos principais da religião etíope. Embora se lhe tivessem apagado da memória os pormenores deste acontecimento, Gois estava bem lembrado do teor geral do diálogo travado com Mateus. Nas viagens posteriores que fez ao serviço do rei português Góis transmitiu a pessoas conhecidas informações sobre a Igreja da Etiópia e manifestou o seu espanto ante a expansão do Cristianismo até um posto tão remoto, pouco lhe interessando as diferenças de dogma entre a Igreja africana e a católica. Pela vida fora manteve-se favorável à religião etíope, defendendo-a vigorosamente quando já amadurecido, apesar dos perigos que daí adviriam à sua reputação religiosa. Esses contactos com outros países, resultantes das expedições além-mar dos portugueses, influenciaram grandemente o espírito de Góis no sentido duma visão larga do mundo. Também ajudaram a criar nele uma salutar consciência nacional e uma disponibilidade para aceitar ideias novas em diversos campos do empreendimento humano. Excepto no desenvolvimento do patriotismo, essas qualidades representam tendências do seu pensamento que em muito se assemelhavam ao humanismo erasmista». In Elisabeth Feist Hirsch, The Life and Thought of a Portuguese Humanist, The Hague Netherlands, 1967, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, ISBN 972-31-0677-9.

Cortesia de FCG/JDACT