quarta-feira, 16 de abril de 2014

Papas Perversos. O Papa-Rei. Russel Chamberlin. «João XII parece que foi impelido para um rumo de sacrilégio deliberado que foi muito além do gozo casual dos prazeres sensuais. Era como se a natureza o incitasse a testar o seu poder, um “Calígula cristão”»

Papa João XII, o Devasso
Cortesia de wikipedia

O Papa-Rei
«(…) O jovem possuía qualidades que, se tivessem sido permitidas desenvolver sob a direcção do pai, podiam ter feito dele um sucessor digno, como príncipe. Tinha uma certa insolência atraente, uma habilidade para se desembaraçar de situações difíceis e considerável coragem pessoal. Procurava por todos os meios imitar o seu grande pai, mas só se o pudesse fazer com pouco esforço. Não tinha o desejo nem a intenção de passar dia e noite em trabalho de sapa próprio de funcionários. Impulsivo, faltava-lhe a habilidade para manter o controlo firme e abrangente dos homens e acções necessário a ambos os cargos. Nos primeiros meses do seu reinado liderou uma expedição militar planeada à pressa e mal organizada contra um senhor rebelde dos Estados Papais que se tinha sublevado, com premonitória rapidez, à notícia da morte de Alberico. A expedição foi um fiasco. Uma resoluta demonstração de força fez o exército papal correr à procura de refúgio, obrigando o jovem Padre à debandada. A vida militar não era, definitivamente, para si; regressou a Roma e iniciou um estilo de vida que surpreendeu até os Romanos menos impressionáveis. O regresso do poder temporal ao Papado atirara de novo a tiara à plebe. As facções, adormecidas durante vinte anos, ergueram-se novamente, e o assassínio, o fogo posto e o roubo voltaram às ruas como incidentes casuais da vida quotidiana. João encorajou as facções tão entusiasticamente como o pai as tinha reprimido, um jovem nobre desordeiro tentando vencer o mais turbulento dos seus companheiros e tendo êxito. Era filho do heróico Alberico, mas era também o neto de Marózia e Hugo da Provença, os dois mais rematados libertinos que Itália conhecera em muitos anos. Foi a sua linhagem maligna que em breve dominou a sua natureza, já sob a corrupta influência do poder absoluto, reprimindo o que pudesse haver de nobre.
A cidade de que o pai cuidara era considerada por João XII um tesouro a ser espoliado, protegido pelas espadas de uma facção a que ele não fazia mal algum enquanto se mantivesse no poder. Roma não tinha a classe média que, nas outras cidades de Itália, originou a democracia limitada dos séculos posteriores. Não havia mercadores para criar riqueza e actuar como tampão entre nobres e Povo, pois o principal rendimento de Roma vinha através dos cofres de S. Pedro: a sua principal indústria era a produção de sacerdotes e a exploração de peregrinos. A massa do povo obstinada e sem voz era um elemento completamente imprevisível, que podia destruir, mas nunca moldar, salvo quando conduzida pelos génios mais raros. O poder da cidade estava completamente nas mãos das grandes famílias, oculto em exércitos privados em castelos indestrutíveis. João XII pôde usar os rendimentos dos Estados Papais para manter os seus grupos armados. Estes revelaram-se inúteis contra os inimigos externos, mas eram suficientemente bons para aterrorizar Romanos.
Nesta relação com a Igreja, João XII parece que foi impelido para um rumo de sacrilégio deliberado que foi muito além do gozo casual dos prazeres sensuais. Era como se o elemento sombrio da sua natureza o incitasse a testar a extensão máxima do seu poder, um Calígula cristão, cujos crimes eram peculiarmente horríficos pelo ministério que desempenhava. Mais tarde, foi especificamente acusado de ter tornado Latrão num bordel; de ele e o seu bando terem violado peregrinas na própria Basílica de S. Pedro; as ofertas dos humildes postas no altar eram arrebatadas como saque casual. Era desmesuradamente apaixonado pelo jogo, no qual invocava os nomes dos deuses desacreditados, olhados agora universalmente como demónios. O seu apetite sexual era insaciável, um crime menor aos olhos dos Romanos. O mais grave era que as ocupantes casuais da sua cama não eram recompensadas com prendas casuais, mas com terras. Uma das suas amantes estabeleceu-se como senhora feudal, porque ele estava cegamente apaixonado por ela, e nomeou-a governadora de cidades e até lhe deu as cruzes de ouro e chaves da própria Basílica de S. Pedro. Fornicação era uma coisa, mas alienar terras era outra; infringir os direitos da classe de que dependia para o poder era um gesto caracteristicamente impetuoso e arrogante, mas, para já, João XII estava imune. A oposição estava fragmentada, sem líder do seu vil calibre: bom ou mau, ele era o único e constante centro de Roma». In Russel Chamberlin, The Bad Popes, Sutton Publishing, 1969, Papas Perversos, Edições 70, Lisboa, 2005, ISBN 972-44-1207-5.

Cortesia Edições 70/JDACT