quinta-feira, 10 de abril de 2014

Inês de Castro Da Tragédia ao Melodrama Nair de Nazaré Soares. «Tem-se afirmado que o lirismo sobreleva na Castro a uirtus trágica, os melhores passos da Castro dão a medida de Ferreira como lírico: são as expansões de Pedro e Inês, os arroubos dos Coros. É que, no século XVI, tudo é envolto em emoção»

Cortesia de wikipedia

Inês de Castro: da tragédia ao melodrama
«(…) No que se refere à arte dramática quinhentista, em Portugal, ela manifesta as diversas tendências do teatro europeu contemporâneo. Surgem as tragédias em vulgar, inspiradas na mitologia ou na história clássicas, as tragédias novilatinas, que exprimem os ideais religiosos, culturais e políticos da época, e adquirem, por vezes, um tom de verdadeira intervenção (o tema do amor na tragédia humanista: amor sagrado e amor profano, in Miscelânea em honra do Prof. Américo da Costa Ramalho, Coimbra, INIC, 1992). Nelas se integra a Ioannes princeps tragoedia de Diogo Teive, verdadeiro treno à morte do Príncipe João, filho de João III e único herdeiro do reino, composta em 1554 e considerada fonte da Castro de António Ferreira. A estas últimas serviu de tema a história pátria, contemporânea e medieval. Ferreira foi muito feliz na escolha do tema, do mythos, que, no dizer de Aristóteles, é como que a alma da tragédia. Tal como Sófocles, na Antígona, Ferreira dramatiza, na Castro, o conflito entre o Amor e a Razão de Estado, temas que a literatura e o pensamento da época privilegiavam. Mas a originalidade do nosso poeta quinhentista reside essencialmente na forma como organizou e entreteceu a acção, no ritmo expressivo dos diálogos, em que a retórica sentenciosa se combina com a suavidade melódica, a tensão trágica com o lirismo elegíaco. Não lhe faltaram modelos. Entre os clássicos, foi Eurípides, o último dos trágicos do drama ático do século V, o primeiro a transportar para a cena a paixão amorosa e a recorrer ao esquema agonístico da retórica, que lhe abria as portas ao debate psicológico, num crescendo de motivos e emoções. Séneca imita Eurípides, em peças que por vezes conservam o mesmo nome e em que o amor é tema dominante, e lhes confere a exuberância oratória, própria da sensibilidade da sua época, que se sobrepõe à contenção, rigor e hieratismo da tragédia grega.
No entanto, qualquer que seja o padrão temático-estético adoptado, é significativo o número de tragédias que, tal como a Castro, têm por título nomes femininos e em que se problematiza, à maneira euripidiana, em volta da mulher-presença, o amor em conflito com interesses e razões de carácter político. Ferreira, num anseio de ser original e imprimir à sua obra literária a marca da actualidade, tenta criar o seu próprio estilo, apoiado na tradição clássica, nas recentes experiências de teatro novo e na preceptística que se esboçava principalmente em Itália (em finais do Quattrocento, num ambiente dominado pelos textos da teorização medieval, em que a Epistula ad Pisones fora assimilada às regras e preceitos da tradição retórica, vem à luz a Poética de Aristóteles. Logo se estabeleceram semelhanças e se fizeram convergências interpretativas, no sentido de conciliarem o pensamento estético de Horácio com o do Estagirita. Várias edições, comentários e traduções das obras de Horácio e Aristóteles surgiram nos finais do século XV e no decurso do século XVI. Contudo, o início do aristotelismo científico marca-se pela publicação da primeira explicação integral e pormenorizada da Poética, da autoria de Francesco Robortello, em 1548). Tem-se afirmado que o lirismo sobreleva na Castro a uirtus trágica, os melhores passos da Castro dão a medida de Ferreira como lírico: são as expansões de Pedro e Inês, os arroubos dos Coros. É que, no século XVI, tudo é envolto em emoção.
A dimensão visual e rítmica da palavra, a orquestração verbal, impõe-se em todo o género de poesia, a que Petrarca empresta voz. É sobretudo com os Rerum Vulgarium Fragmenta, através de antíteses abstractas e de uma sugestiva imagética da interioridade, que o poeta de Arezzo impõe à literatura europeia um verdadeiro código poético, o petrarquismo, ou dá o tom petrarquizante à expressão do amor cortesanesco. No entanto, podemos afirmar que a própria expressão lírica e os seus recursos e ingredientes servem para acentuar os contrastes luz / sombra, claro / escuro da alma humana, verdadeiro diapasão da essencialidade dramática. O lirismo petrarquista, no seu jogo intelectivo, assente numa estratégia da reduplicação do sujeito da enunciação em relação ao sujeito do enunciado; na valorização das capacidades perceptivas, em que avulta a prevalência da luz, do ver e do olhar, de inspiração plotino-ficiniana; na simplicidade estilística, que vive do ritmo e da harmonia interna do verso, conseguida por vezes por subtis alterações, na repetição de esquemas sintácticos e lexicais, exprime admiravelmente os contrastes do sentimento amoroso, o debate passional». In Nair Nazaré Castro Soares, Inês de Castro, Da Tragédia ao Melodrama, Universidade de Coimbra, As Artes de Prometeu, homenagem a Ana Paula Quintela, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2009, ISBN 978-972-8932-42-8.

Cortesia da FLUPorto/JDACT