quarta-feira, 30 de abril de 2014

O ‘Arranque’ dos Descobrimentos. Paulo Sousa Pinto. «Lendas à parte, existem de facto informações e indícios sobre explorações atlânticas antes das viagens portuguesas do século XV. As mais remotas referem-se a colónias fenícias na costa africana e a alegadas viagens gregas e cartaginesas»

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Foram, de facto, os Portugueses os primeiros a desbravar o Atlântico?
«A resposta à velha e sacramental pergunta se foram os Portugueses os primeiros, é, como para muitas outras questões, um desconcertante não e sim. Não, se tomarmos a questão num sentido restrito, pressupondo de alguma forma que nunca ninguém teria navegado nas águas do oceano ou procedido a tentativas de exploração antes das viagens promovidas pelo infante Henrique; sim, se a entendermos num sentido mais lato, não apenas no que respeita a dados históricos seguros e fiáveis, mais do que suspeitas ou indícios, mas, e sobretudo, a consequências duráveis, impacto e continuidade.
Por outras palavras, se os Portugueses tiveram precursores na exploração do Atlântico, não passaram de tentativas fracassadas, efémeras ou inconsequentes e que caíram no esquecimento. Tal como uma obra é inútil se ficar guardada numa gaveta e não for conhecida por ninguém, uma viagem, por mais ousada e bem-sucedida que seja, não tem qualquer relevância histórica se dela nada resultar, quer do ponto de vista prático, quer na divulgação do conhecimento. Isto aplica-se a inúmeros casos, alguns dos quais já fizeram correr rios de tinta, desde o descobrimento da América ao da Austrália. A verdade, no caso presente, é que, na primeira metade do século XV, nada se sabia em concreto na Europa acerca das condições naturais do Atlântico, da existência do continente americano ou do prolongamento de África para sul, com ligação ao oceano Índico; apenas dados confusos ou incompletos, lendas, fragmentos de relatos em obras clássicas e referências incorrectas em mapas. A única excepção diz respeito ao arquipélago das Canárias, e, em menor grau, aos da Madeira e dos Açores, e, ainda assim, no caso destes últimos, envoltos em brumas lendárias que tornam muito difícil discernir o mito da realidade.
É preciso relembrar que o Mediterrâneo era o centro de todo o mundo antigo (e da Europa medieval, já agora) e, por consequência, constituía o ambiente normal e natural em que se moviam navegantes e mercadores. Para oeste, para lá das colunas de Hércules, ou seja, do estreito de Gibraltar, estendia-se um vasto oceano que, além de imenso e desconhecido, possuía condições naturais, ventos, marés, correntes, agrestes e bem mais traiçoeiras do que as do lago mediterrânico. Desde há muito que circulavam histórias e lendas sobre as condições pouco acolhedoras do oceano. A lenda da Atlântida, divulgada por Platão, dava conta de um terrível cataclismo que teria engolido um continente inteiro e que tornara toda aquela zona intransitável e imperscrutável.
Corriam também rumores sobre a existência de ilhas mais ou menos brumosas no meio da vastidão oceânica, sempre associadas a lendas e encantos: as Ilhas Afortunadas, descritas pelo poeta grego Hesíodo; Avalon, da saga do rei Artur; Antília ou Ilha das Sete Cidades, para onde teriam fugido os bispos cristãos quando os Árabes dominaram a Península Ibérica, e cujo encanto impedia que fosse descoberta antes da derrota e expulsão dos infiéis; por fim, a ilha paradisíaca de S. Brandão, onde este monge irlandês e os seus companheiros teriam desembarcado após uma longa jornada cheia de peripécias e de encontro com animais fabulosos. Estas ilhas aparecem na cartografia medieval algures no meio do oceano. Identificar qualquer uma delas como os Açores ou a Madeira, uma vez que é certo que as Canárias eram conhecidas desde a Antiguidade, é um exercício tentador mas pouco seguro.
Lendas à parte, existem de facto informações e indícios sobre explorações atlânticas antes das viagens portuguesas do século XV. As mais remotas referem-se a colónias fenícias na costa africana e a alegadas viagens gregas e cartaginesas no Atlântico, que ecoam, de forma fragmentária e pouco clara, em algumas obras de cronistas e geógrafos da Antiguidade. Um dos nomes mais importantes é o de Hainão, Hanno, explorador cartaginês que, por volta do ano 500 a. C., terá supostamente comandado uma frota de dezenas de navios e fundado diversas colónias ao longo da costa africana. O limite da sua viagem é ainda motivo de controvérsia e, embora alguns autores defendam que terá chegado ao golfo da Guiné, subsistem muitas dúvidas devido a diversas incongruências dos dados disponíveis e às dificuldades de identificação dos locais.
Sensivelmente pela mesma altura, é possível que o grego Eutímenes tenha igualmente largado da actual Marselha (então uma colónia grega), passado o estreito e atingido as mesmas paragens. Dois séculos depois, um outro grego, originário da mesma cidade, chamado Píteas, terá deixado o Mediterrâneo e explorado o Atlântico Norte, passando pela costa portuguesa e seguindo até às Ilhas Britânicas e daí talvez até ao Báltico». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.

Cortesia de E. dos Livros/JDACT