sábado, 22 de agosto de 2015

A Data de Nascimento de Afonso Henriques. Abel Estefânio. «… se apoia essencialmente no segundo argumento que refere: o facto de o bispo de Coimbra, Miguel Salomão, aparecer no texto como cónego regular já no momento em que preside às exéquias de Teotónio»

Cortesia de wikipedia

A data de produção do manuscrito da Vita Theotonii
«(…) Por sua vez, o Prof. Aires Nascimento considera o manuscrito da Vita Theotonii uma cópia com intervenções menos hábeis de alguém por volta de 1180, apresentando para o efeito três argumentos. O primeiro tem a ver com a referida falta de correspondência do dia da semana, feria VI, com o dia da morte de São Teotónio a 18 de Fevereiro de 1162. Depois de toda a atenção que nos mereceu o assunto, não encontrei, em si mesmo, nenhum indício que levasse a admitir que pudesse ter tido origem num copista e não no autor. Aliás, penso que a admissão pelo A. Nascimento de se tratar de erro de copista, se apoia essencialmente no segundo argumento que refere: o facto de o bispo de Coimbra, Miguel Salomão, aparecer no texto como cónego regular já no momento em que preside às exéquias de Teotónio. Entendendo que essa situação apenas se verifica depois da sua resignação em 1176, concluiu pela admissão de que esta parte final do texto foi retocada por alguém menos cuidadoso em evitar anacronismos e com pouco rigor em reconstituir factos e datas ou também em rever a cópia. Todavia, este argumento poderá não ser válido, pois é possível que Miguel Salomão tenha sido cónego regrante de Santa Cruz antes de ser bispo de Coimbra. No Livro das Vidas dos Bispos da sé de Coimbra, escrito no século XVI pelo cónego Pedro Álvares Nogueira, refere-se que Miguel Salomão: se meteo no mosteiro de santa Cruz da ordem de santo Agost.˚ q entam florecia nesta Cidade onde deo taes mostras de sua santidade he uirtude que na primeira uacante foi elleito bpõ cõ mta satisfacaõ de todo pouo, porque em tudo trabalhaua por imitar o exemplo do gloriosso padre Sam Teotonio prior do mosteiro de quē era muito deuoto.
Diga-se ainda que os grandes privilégios dados por Miguel Salomão ao mosteiro em 1162, logo no primeiro ano do seu episcopado, podem estar relacionados com a sua procedência de Santa Cruz. O terceiro argumento de Aires Nascimento passa pela consideração que o epíteto de beatissimus (santo) no título da Vita Theotonii, não envolve uma informação cultual, mas apenas um juízo de santidade. De acordo com a sua opinião há que atribui-lo não ao original, mas à cópia, esta derivada de momento posterior ao da canonização de Teotónio, que o texto ainda não conhece nem nele estão presentes narrativas de milagres post mortem que dessem pretexto a uma promoção do culto. Mas não podemos negar que estamos na iminência de uma canonização, não só pela data em que se realizou, no primeiro aniversário da sua morte, que nos permite pensar que foi desde logo planeada a seguir ao funeral, mas também por expressões que se encontram no texto como famulus Dei (servo de Deus) e sucut nobis sanctus referebat (segundo o santo nos referia). A instrução do processo de canonização parece estar a decorrer, conforme transparece da passagem em que o autor nos refere que sanctissimos illius actus senioribus meis ac per hoc sapientioribus plenarie describendos relinquo (deixo que a descrição pertinente dos actos da sua excelsa santidade seja feita pelos meus anciãos que por isso mesmo são mais sabedores). Em meu entender, este passo insinua não só que era um jovem discípulo, mas também a existência de um grupo de anciãos responsável pela condução do processo de canonização. Podemos admitir facilmente que o autor antecipasse o evento, registando-o desde logo, em mais uma demonstração da finitude ad saecula saeculorum que envolvia toda a produção do scriptorium crúzio.
Avaliadas que foram as diferentes propostas de datação do manuscrito, concluímos pela admissibilidade de a Vita Theotonii ser um autógrafo; a hipótese primeiramente avançada por Alexandre Herculano, o que não quer dizer que todas as suas informações sejam fidedignas. Se um dia se identificar o autor gráfico do texto, creio que estará também encontrado o seu autor intelectual. Apesar de admitirmos que o texto foi produzido em cerca de 1162, não será de considerar a autoria de Domingos Salomão, proposta por José Antunes, pois, nesta data, apesar de ainda estar vivo, já não seria um jovem discípulo. O perfil do candidato à autoria intelectual do texto parece corresponder mais ao de Paio, tal como este é descrito por frei Timóteo Mártires: (1) discípulo de São Teotónio; (2) bom letrado de grande virtude, em concordância com as características do texto e com a sua carreira; (3) Prior Crasteiro do Mosteiro de São Vicente (entre 1174 e 1180), pelo que poderia ser ele o veículo de transmissão da tradição do nascimento de Afonso Henriques em 1106 para esse mosteiro; (4) seria bispo de Évora em 1181, afastando-se ainda mais de Santa Cruz onde, alguns anos mais tarde, surgiria uma tradição diferente sobre a data de nascimento do nosso primeiro rei; (5) faleceu a 8 de Setembro de 1204, podendo, portanto, ser um jovem e talentoso discípulo em 1162. A confirmação ou não desta possibilidade poderá ser dada pela análise comparativa das características gráficas da Vita Theotonii com a eventual documentação existente escrita por Paio, como cónego de Santa Cruz, prior crasteiro de S. Vicente ou bispo de Évora, que não foi objecto de estudo» In Abel Estefânio, A Data de Nascimento de Afonso I, Medievalista, nº 8, 2010, Instituto de Estudos Medievais, direcção de José Mattoso, ISSN 1646-740X.

Cortesia de Medievalista/JDACT