domingo, 16 de agosto de 2015

As Pirâmides de Napoleão. William Dietrich. «Sim, conde, disse o capitão. Você, acima de todos os outros, deve reconhecer seu valor. Devo? Ele se sentou a nossa mesa com sua tradicional languidez, seu forte traço sarcástico, seus lábios sensuais, olhos escuros e pesadas sobrancelhas e o porte físico de Pan»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Ele retirou de seu pescoço um volumoso e pesado medalhão que trazia escondido, em baixo de sua camisa. Era um disco de ouro, cheio de escrituras e perfurações que formavam um curioso traçado de linhas e furos, com dois longos braços semelhantes a ramos pendurados na parte de baixo. Ele parecia bastante gasto e rudimentar, como se tivesse sido forjado na bigorna de Thor. Achei na Itália. Vejam o peso e como é antigo! O carcereiro de quem eu tomei disse que pertenceu a Cleópatra! Ele conhecia a moça?, perguntei sem nenhum sinal de entusiasmo. Foi o conde Cagliostro quem contou a ele! Isso chamou a minha atenção. Cagliostro? O famoso curandeiro, alquimista e blasfemo que era querido nas cortes da Europa, mas aprisionado na fortaleza do papa em San Leo, morreu de loucura em mil setecentos e noventa e cinco? Tropas revolucionárias invadiram a fortaleza ano passado. O envolvimento do alquimista com o Caso do Colar, mais de uma década atrás, ajudou a precipitar a Revolução ao fazer com que a Monarquia parecesse gananciosa e tola. Maria Antonieta o desprezava e o chamava de feiticeiro e enganador.
O conde tentou usar isto para subornar o guarda e escapar, o capitão continuou. O carcereiro simplesmente confiscou o medalhão e, quando derrubamos as defesas, eu o tomei dele. Talvez ele tenha poderes passados por séculos, já que é tão velho. Vou vender para você por..., ele olhou a minha pilha, mil francos de prata. Capitão, você está brincando. E uma história interessante, mas... Ele veio do Egipto, o carcereiro me contou! Tem valor sagrado! Egípcio?, disse alguém com o timbre de um grande gato. Urbano e preguiçosamente interessado. Olhei para o alto e vi o conde Alessandro Silano, um aristocrata de descendência franco-italiana que havia perdido a fortuna na Revolução e, de acordo com os rumores, estava tentando conquistar novas riquezas ao se tornar democrata e actuando em papéis perigosos nas intrigas diplomáticas. Dizia-se que Silano era um operativo de Talleyrand, o ministro de Relações Exteriores da França. Ele também se apresentava como estudioso dos segredos da Antiguidade nos moldes de  Cagliostro, Kolmer e St. Germaine. Alguns arriscavam a dizer que sua reabilitação nos círculos do governo acontecia por uso das Artes das Trevas. Ele tirava proveito de tanto mistério, por exemplo, acusando nas cartas ao dizer que sua sorte estava garantida pela magia. Mesmo assim, ele perdia tanto quanto ganhava, então ninguém sabia se deveria, ou não, levá-lo a sério.
Sim, conde, disse o capitão. Você, acima de todos os outros, deve reconhecer seu valor. Devo? Ele se sentou a nossa mesa com sua tradicional languidez, seu forte traço sarcástico, seus lábios sensuais, olhos escuros e pesadas sobrancelhas e o porte físico de Pan. Ele era capaz de conquistar mulheres como o famoso Mesmer, que as colocava sob um feitiço chamado hipnose. Quero dizer, por sua posição no Rito Egípcio. Silano acenou com a cabeça. E meu período de estudos no Egipto. Capitão Bellaird, certo? Você me conhece, monsieur? Pela reputação de um soldado galante. Eu sigo os boletins da Itália com atenção. Se o senhor conceder a honra de sua companhia, gostaria de me juntar ao seu grupo. O capitão ficou lisonjeado. Mas é claro. Silano sentou e as mulheres se aproximaram. Ele era  precedido por sua reputação de amante, duelista, apostador e espião. Também era conhecido por ter aderido ao desacreditado Rito Egípcio da Maçonaria, lojas fraternais que admitiam tanto homens quanto mulheres. Essas lojas heréticas realizavam várias práticas ocultas e não faltavam histórias apetitosas sobre cerimónias secretas, grandes orgias e horríveis sacrifícios.
Talvez dez por cento de tudo isso fosse verdade. De qualquer maneira, o Egipto tinha a reputação de ser a fonte do conhecimento ancestral e muitos místicos garantiam ter descoberto poderosos segredos em peregrinações longas e misteriosas por lá. Como resultado, a moda era possuir itens antigos de uma nação que estava fechada para a Europa desde sua conquista pelos árabes, há treze séculos. Silano havia estudado no Cairo antes de os regentes mamelucos começarem a atacar comerciantes e estudiosos europeus. Agora, o capitão gesticulava desesperadamente para ractificar o interesse de Silano. O carcereiro disse que os braços podem apontar para um grande poder! Conde, um homem dos estudos como você pode entender o significado disso. Ou pagar por um pedaço de nada. Deixe-me ver. O capitão levantou seu pescoço um pouco. Veja como ele é intrigante». In William Dietrich, As Pirâmides de Napoleão, 2007, Grandes Narrativas, nº 490, Editorial Presença, 2011, ISBN 978-972-234-450-0.
                         
Cortesia EPresença/JDACT