quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O que Aconteceu a Lucrécia de Médici? Gabrielle Kimm. «O que gostaria de vestir, cara? Acho que prefiro o castanho-avermelhado, respondeu Lucrécia, e Giulietta ajoelhou-se, passou os braços por baixo de várias camadas de tecido e tirou uma saia e um corpete de damasco»

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A sua última duquesa. Toscânia 1559
«(…) Ele é muito atraente, não é, o duque?, perguntou Lucrécia, libertando-se dos saiotes. Atravessou o quarto, aproximou-se da mesinha perto da janela e pegou num retrato minúsculo com uma requintada moldura dourada. É. E muito inteligente, segundo afirma o papá. Isso é tão importante, não achas Giulietta? Não queria casar com um homem que não fosse inteligente. Lucrécia pousou o retrato, baixou a voz e acrescentou com convicção: nunca diria tal coisa ao papá ou à mamã, mas acho que preferia casar com um homem pobre mas inteligente do que com um nobre idiota. Bem, nesse caso é uma jovem muito afortunada, porque os seus pais lhe arranjaram um aristocrata inteligente, disse Giulietta. Que também é bonito, afirmou Lucrécia.
É como diz. Lucrécia estava em camisa. Como seria ficar em camisa na presença dele? O que pensaria dela o duque? Imaginou os seus olhos cravados nela e sentiu um aperto nos mamilos. Respirando devagar, viu a luz a pintar uma faixa brilhante nas costas de Giulietta quando a velha se debruçou sobre um baú comprido e trabalhado que se encontrava aos pés da cama. O que gostaria de vestir, cara? Acho que prefiro o castanho-avermelhado, respondeu Lucrécia, e Giulietta ajoelhou-se, passou os braços por baixo de várias camadas de tecido e tirou uma saia e um corpete de damasco castanho-claro, ricamente bordado. Levantou-se à frente de Giulietta, que susteve o fôlego quando a velha lhe enfiou o vestido novo pela cabeça e o apertou bem.
Mangas cor de ameixa? Lucrécia sorriu em sinal de assentimento. Giulietta abriu um baú de carvalho mais pequeno e encontrou duas mangas roxo-avermelhado rematadas por rendas soltas nos ombros. O braço, disse Giulietta, distraída, e Lucrécia estendeu o braço, pálido e magro na penumbra. O tecido delicado da camisa creme via-se através dos cortes ornamentais na manga de seda. Quando estiver pronta, vou aos estábulos para ver se o Vanni já acabou, informou Lucrécia. Ai isso é que não vai, minha querida. A voz de Giulietta perdeu a ternura habitual. Ele está a chegar e se a menina for 1á abaixo suja-se e teremos de voltar a mudar-lhe a roupa. Quem estará presente no banquete desta noite? Uma mudança deliberada de assunto. Giulietta ficou a pensar. Bem, o duque trará o seu grupo, evidentemente, talvez umas doze pessoas, e depois estará o seu pai e a sua mãe e... O Vanni... Claro..., e creio que o seu pai pediu a vários dignitários de Florença que comparecessem. O outro braço, minha querida.
E tu..., tu irás, Giulietta, não é verdade? Não, cara, esta noite não. Perguntei à sua mãe se podia comer sossegada cá em cima. Oh, Giulietta, não te sentes bem?, Lucrécia tomou as mãos da velha nas suas. A segunda manga, que ainda não estava presa, caiu-lhe do ombro. Não, cara, de maneira nenhuma, apenas um pouco cansada. Tenho tanta pena! Por que diz isso, filha? Lucrécia apontou para o vestido amarrotado que estava no chão, do outro lado do quarto. Parece que te dou sempre muito trabalho. Vou apanhar o vestido, pô-lo de parte e... Giulietta esfregou a testa da rapariga com o polegar, como se concedesse uma bênção episcopal, e em seguida deu-lhe uma palmadinha na face. Desfrute esta ocasião tão importante, cara. Sinto-me muito contente por ficar aqui em cima sozinha. Aquele pobre vestido já não serve para nada excepto para deitar fora. Agora, dê-me o seu braço e deixe-me acabar de prender essa manga». In Gabrielle Kimm, A sua Última Duquesa, O que aconteceu a Lucrécia de Médici?, 2010, tradução de Maria Duarte, Planeta Manuscrito, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-657-328-7.

Cortesia de Planeta/JDACT