terça-feira, 29 de novembro de 2016

101 Lugares para ter Medo em Portugal. Vanessa Fidalgo. «Que o medo andou sempre de mãos dadas com a ignorância e a dúvida razoável, todos sabemos. Mas sabendo-o, esquecemo-lo…»

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«O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis». In Fernando Pessoa

«(…) Mas além de mensurável e real, o medo é irracional. Uma espécie de monstro adormecido, que pode ser acordado inadvertidamente por qualquer fenómeno incompreensível e adensado pelo turbilhão complexo que é a mente humana em uso da imaginação. Por causa destas características intrínsecas ao próprio medo, é fácil perceber porque é que a história de Portugal e das suas gentes é também feita de medos que perduram até aos dias de hoje. Uma vez, até se falou num monstro que habitaria as profundezas das águas da lagoa Escura, na serra da Estrela! Houve aldeias no Norte banidas do mapa por pragas de bichos e epidemias desconhecidas, passagens de corpos celestes que fizeram o povo temer o fim do Mundo, terras onde nada mais cresceu e transformaram-se em campos de fome e tantas e tão estranhas bizarras coincidências que até em Oeiras se temiam as engrenagens de um relógio!
O medo do desconhecido é quase uma reminiscência ancestral. Desde que o mundo é mundo, a Humanidade sempre temeu o que não domina, o que não consegue apreender nem explicar. E esses medos podem tornar-se barreiras intransponíveis na vida das pessoas e das comunidades, reconhece o especialista. Ou marcá-las para sempre. Mesmo quando há uma explicação científica, esta nem sempre é credível junto das comunidades ou tarda muito em chegar. E em abono da verdade, na maior parte dos medos as explicações podem nem sequer ter nada que ver com a sua verdadeira razão. Por se saber que um rato é inofensivo não se elimina o medo que pode provocar e o mesmo acontece, por exemplo, com as aves. O medo continua irracional, mesmo quando se conhecem os seus motivos. O medo do sobrenatural, ou melhor, do que não se conhece, obedece às mesmas regras. O que explica isto são motivos evolutivos ou filogenéticos. O medo é o nosso alarme natural, temos medo daquilo que ameaça a espécie humana, explica Batista, com palavras que encontram eco em muitas das histórias que se contam.
Casos assim, inexplicáveis, transformam-se facilmente em mitos e misturam-se com referências ao sobrenatural ou ao divino. Noutros casos, a alusão ao sobrenatural serve apenas para explicar o próprio medo, não sendo a sua causa mas, pelo contrário, o remédio, ainda que imprevidente, que o tenta apaziguar. A explicação do desconhecido por um agente sobrenatural é a explicação mais fácil e por vezes a única possível. Tempos houve em que as explicações sobrenaturais aplicaram-se a tudo e não apenas àquilo que metia medo!. ilustra o psicoterapeuta. Que o medo andou sempre de mãos dadas com a ignorância e a dúvida razoável, todos sabemos. Mas sabendo-o, esquecemo-lo, sobretudo quando estamos cara a cara com ele! O coração salta do peito, a racionalidade fica de parte e vence a precaução. Depois, mais tarde talvez no recato de casa ou entre amigos. a maioria jura a pés juntos que não acredita, mas, pelo sim, pelo não, decide não passar nem perto de certos lugares deste Portugal assustador...» In Vanessa Fidalgo, 101 lugares para ter medo em Portugal, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-467-3.

Cortesia de AEdosLivros/JDACT