segunda-feira, 14 de novembro de 2016

As Ordens Militares em combate nos finais da Idade Média. Caso da Guerra da Sucessão de Castela (1475-1479). António C. Martins Costa. «No final de Maio de 1475, um poderoso exército penetrou em Castela sob o comando de Afonso V, fazendo alto em Codiceira e, depois, em Pedraboa»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) O envolvimento das milícias monástico-militares radicadas em Portugal no conflito luso-castelhano remonta, de acordo com as fontes que dispomos, à sua própria génese, quando em Dezembro de 1474 chegou a Estremoz uma mensagem do marquês de Vilhena comunicando a morte de Henrique IV e pedindo a Afonso V que entrasse urgentemente em Castela, por forma a casar-se com a princesa dona Joana e, desse modo, ser levantado rei. Então, de acordo com os cronistas Rui Pina e Damião Góis, o conselho régio dividiu-se quanto à abertura de uma guerra com os futuros Reis Católicos: por um lado, um grupo em que pontificavam grandes senhores como o duque de Guimarães e primogénito do duque de Bragança, Fernando, e o arcebispo de Lisboa, Jorge Costa, que era contrário ao projecto castelhano; por outro, um conjunto entusiasta do conflito em que se destacava o príncipe João, afinal o líder das Ordens de Santiago e de Avis, desejando que elRey seu Padre com esperança de acrecentar seus Reynos de Portugal, aceitasse, e nom se escusasse do casamento e empresa de Castela. Mas enquanto se travavam acesos debates acerca da viabilidade da guerra, um outro conselheiro do rei, o prior do Crato, Vasco de Ataíde, juntamente com o bispo de Évora, Garcia Meneses, e o camareiro-mor, Lopo Albuquerque, elaborava um conjunto de pareceres, conforme registado pelo secretário Álvaro Lopes Chaves, acerqua das cousas de que ora o dito senhor loguo deuesse de fornecer e prouer assj pera sua ida a Castela se ouuer de ser como pera deffensão e boa guarda [sic] de seus Rejnos em caso que elle lá non haja de hir. Entre vários aspectos bélicos, do recrutamento à importação de armamento, previam-se a vistoria e as reparações necessárias nos castelos costeiros e fronteiriços, conforme veremos mais adiante, acerca dos quais se aludia à importância do provimento com as modernas artelharias.
Segundo a cronica portuguesa, a chegada de Lopo Albuquerque a Évora com as certidões de fidelidade dos apoiantes castelhanos de dona Joana, em Janeiro de 1475, foi determinante para desbloquear a decisão acerca da disputa do trono vizinho. Convencido da viabilidade da guerra, Afonso V convocou os Grandes e Senhores Prelados, Fydalgos, e Cavalleiros, e gente outra de seus Reynos para, passado o mau tempo do Inverno, na entrada de Mayo logo seguynte serem em Arronches, per onde acordou d’entrar. Durante o apetrechamento bélico do exército português temos, uma vez mais, notícia do empenho das Ordens Militares, cuja estrutura operacional e logística a mobilizar parece ter sido relativamente dispendiosa. Ao longo do mês de Março, em Évora, o rei diferiu vários pedidos de autorização de arrendamento de terras à Ordem do Hospital para que pudesse fazer face às despesas na guerra, visto como pera se rreger lhe he neçessario arrendar as dictas suas commendas, contando-se entre os beneficiários um cavaleiro, quatro comendadores e o próprio Prior do Crato.
No final de Maio de 1475, um poderoso exército penetrou em Castela sob o comando de Afonso V, fazendo alto em Codiceira e, depois, em Pedraboa, onde foi reforçado por contingentes que atravessaram a Beira. Os cronistas portugueses, Rui Pina, Garcia Resende e Damião Góis, são unânimes quanto aos números do alardo, a única contagem que dispomos das forças portuguesas, realizado no mesmo dia: cinquo mil e seis çentos homens de cauallo, e quatorze mil de pé, afora outra gente de seruiço, pages e gente aventureira. A consensualidade dos três cronistas confere alguma fiabilidade a estas cifras, mas estamos longe de saber a dimensão do grupo das Ordens Militares, tarefa que pela ausência de fontes se torna praticamente inconclusiva ou conjectural. Podemos, ainda assim, percepcionar em linhas gerais o que numericamente representava o contributo das milícias monástico-militares se tivermos em conta outros dados. Sabemos que, no início do século XV, o conselho de João I, ao engendrar uma espécie de exército fixo de defesa de Portugal, atribuiu às Ordens Militares a obrigação de fornecerem 340 das 3.200 lanças previstas para todo o reino (10,6 % do total): Cristo e de Santiago, as milícias mais poderosas, deveriam contribuir com 100 lanças cada, enquanto a Avis caberiam 80 e ao Hospital as restantes 60. Se considerarmos o aumento demográfico na Cristandade desde os finais da primeira metade de Quatrocentos (de que Portugal beneficiou também), o crescimento dos exércitos de então e a circunstância de, em 1475, se tratar de uma campanha ofensiva em que se apostavam fortes recursos nacionais (e não apenas de forças fixas de defesa do reino), acreditamos que as Ordens Militares portuguesas tenham contribuído com um número substancialmente superior de combatentes ao que foi preconizado ao tempo do rei de Boa Memória». In António C. Martins Costa, As Ordens Militares em combate nos finais da Idade Média. Caso da Guerra da Sucessão de Castela (1475-1479), Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Revista Medievalista, Nº 19, JAN-JUN, 2016, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT