segunda-feira, 14 de novembro de 2016

As Ordens Militares em combate nos finais da Idade Média. Caso da Guerra da Sucessão de Castela (1475-1479). António C. Martins Costa. «Apesar da superioridade numérica, o aragonês não terá atacado por o castelo estar em todo tam percebido e com estancias tam armado, e afortalezado…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Mas se acerca da quantidade de combatentes das Ordens Militares são omissas as fontes, idêntica limitação encontramos para conhecermos a sua qualidade marcial. Antes de mais, devemos ter em linha de conta as características de disciplina e obediência inerentes a estas milícias, as quais, transportadas para o combate, resultavam num enorme espírito de grupo com clara simultaneidade e unidade de acção. Quanto ao armamento, não podemos esquecer que, pelos rendimentos do seu património, as Ordens Militares tinham ao seu alcance a aquisição e manutenção de armamento sofisticado, ao ponto de fornecerem mais de 10% do armamento pesado de Portugal no reinado de João I. Então, a indicação de arneses parece destacar a tradição do combate montado entre as Ordens, pelo que não é ilegítimo supor que na invasão de Castela, em 1475, se tenham evidenciado em contingentes de cavalaria, fosse numa variante mais pesada (a muy grossa jente d’armas encubertados, como surgem designados esses combatentes na Batalha de Toro) com cavaleiro de arnês completo (armadura articulada), vocacionada para o choque, ou até num modelo mais ligeiro, de genetes, que se adequavam pela mobilidade aos raides e às escaramuças, nas quais sabemos terem participado freires cavaleiros. A par destes guerreiros, não podemos deixar de aduzir aos seus contingentes, como chamou à atenção Miguel Gomes Martins, um número geralmente desconhecido de combatentes mais modestos por si enquadrados, como sargentos e peões, os quais eram recrutados nas localidades sob a jurisdição das Ordens Militares.
Quanto à participação nas operações da campanha comandada por Afonso V em Castela, que se iniciou em Maio de 1475 e culminaria em Junho do ano seguinte, temos notícia do seu primeiro combate pela crónica portuguesa durante a segunda metade do mês de Julho de 1475. Chegado a Toro, cuja vila dominou, Afonso V cercou o castelo, embora rapidamente se tenha visto entre dois fogos. Fernando de Aragão, partindo de Valladolid à frente de uma imponente força que, segundo Damião Góis, atingiu cerca de 12.000 cavaleiros e de 30.000 infantes, números considerados inflacionados por Luís Miguel Duarte, assentou arraial a cerca de meia légua de Toro. Apesar da superioridade numérica, o aragonês não terá atacado por o castelo estar em todo tam percebido e com estancias tam armado, e affortalezado, conforme é corroborado pela crónica castelhana, sendo mesmo obrigado a retirar da sua posição ao fim de uma semana, em parte pela acção dos cavaleiros hospitalários de Diogo Fernandes Almeida que, de dia e de noyte, davam rebates no campo inimigo (quase capturando o próprio Fernando). Tratou-se, à partida, de uma operação desencadeada por uma força móvel, adestrada e disciplinada.
Quanto ao resto da campanha, é notória a tendência dos cronistas para destacarem a acção régia e dos titulares da nobreza, omitindo a participação dos freires cavaleiros. Ainda assim, à falta de luz das fontes, admitimos a sua presença, se não em todas, porque não temos dados para o afirmar, pelo menos em muitas das perseguições, escaramuças, defesas, tomadas e cercos a praças (por ventura, no de Baltanás ou no de Zamora). Nesta guerra de movimento em Castela, sabemos pela última vez da actuação das milícias monástico-militares na batalha que tantas vezes se evitara e que, a 1 de Março de 1476, se viria ferir na veiga a cinco quilómetros a Poente de Toro e se converteria no combate historiograficamente mais emblemático de toda a guerra. Dividido, grosso modo, o exército português em duas forças, Afonso V confiou ao filho o comando da ala esquerda, de menos jente, e porém cortesaã e mui limpa, junto do qual nos é revelada pela cronica portuguesa a presença de Jorge Correia, comendador do Pinheiro, portanto, um destacado membro da Ordem de Cristo. Sendo o próprio príncipe administrador de duas Ordens Militares (Avis e Santiago), não será de excluir a presença dos respectivos corpos de cavaleiros junto do seu líder, fazendo mesmo sentido que tenham tomado parte na carga que permitiu o desbarato das seis alas castelhanas e a permanência desta força portuguesa no campo.

À defesa do reino: as Ordens Militares e a guerra na fronteira
Muito embora a Guerra da Sucessão de Castela conte momentos militarmente altos entre Maio de 1475 e Junho de 1476, com epicentro na região de Arévalo, Zamora e Toro, há que não descurar uma outra dimensão do conflito que, durante quatro anos, teve lugar por toda a raia luso-castelhana. No que diz respeito a esta frente, sabemos do empenhamento das Ordens Militares radicadas em Portugal, mais uma vez, desde os finais de 1474, aquando da elaboração do referido parecer de guerra em que tomou parte o experiente prior do Hospital. Escrito na iminência do conflito, não por acaso o documento nos ilumina, entre os primeiros pontos, as questões relacionadas com as defesas fixas e o comando militar na frontaria àquele tempo». In António C. Martins Costa, As Ordens Militares em combate nos finais da Idade Média. Caso da Guerra da Sucessão de Castela (1475-1479), Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Revista Medievalista, Nº 19, JAN-JUN, 2016, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT