quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O Mistério do Priorado de Sião. Jean-Michel Thibaux. «Um carvalho acolheu-o sob a sua sombra. Encostou as costas ao tronco, deixando-se escorregar. Chegou o momento. Voltou-se para a aldeia, fechando os olhos para se concentrar»

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Rennes le Château. 20 de Junho de 1889
«(…) Bérenger esperava aquela declaração. A comédia foi rápida e eficaz: talvez, mas é melhor reflectir ponderadamente. São muito antigos. Em Toulouse ou em Paris, alguns historiadores pagariam um bom preço por eles. Valia a pena vendê-los. Deixe-os um tempo comigo e arranjarei comprador. Que me diz? Combinado, respondeu o alcaide animado, apertando a mão de Bérenger. Agora, a sua imagem era o vivo retrato da satisfação. Os números já desfilavam pela sua cabeça: duzentos, trezentos, quinhentos..., mil francos? Ficou a olhar para o cura. Depois sorriu. As suas especulações tinham chegado ao topo: três mil francos? E se Saunière o vigarizava? Quero uma cópia dos manuscritos, disse, olhando outra vez para o chão. Empenhar-me-ei para que tenha uma transcrição. Quando fecharmos o negócio, trago-lhe uma acta da venda. Fica mais tranquilo? Sim. Então brindemos. Bérenger pegou-lhe no braço, sem deixar de reflectir. Só havia um homem que lhe podia emprestar o dinheiro. Quando o alcaide se fosse embora, escreveria a Elias Yesolot.

Rennes le Château. 18 de Junho de 1891
O caminhante tinha partido antes da alba, para se deleitar no momento em que a noite se libertava do incêndio do dia. Agora, ofegava e gemia pela encosta, De vez em quando parava, tomava fôlego e olhava para leste, regozijando-se com as chamas errantes que aumentavam e se juntavam para dar vida ao novo sol. Nahash, o tentador, tinha fugido juntamente com as criaturas das trevas. Saudou o amanhecer com uma vénia e continuou a andar. O sol não tardaria a fazê-lo sofrer. Um rebanho já subia em direcção aos Pirenéus, tocado pelos pastores. Escutou os chocalhos dos carneiros, os guizos e as campainhas dos cordeiros e das ovelhas. Quando as bestas se amontoaram à sua volta, descobriu que traziam talismãs ao pescoço; pedras da saúde e medalhinhas. O vento sussurrava segredos. Nessa altura, um pastor clamou por entre as rajadas: fui até à cerca, vi três eremitas, traziam pedras más, para destruir os campos. Menino Jesus, leva-os daqui.
Agachou-se, a escutar. Os pastores tinham medo. Tinham sempre medo. Será que o pastor tinha invocado Jesus por causa dele? A voz tinha-se calado. Ao longe, os cordeiros já corriam alegres para o vale. Estava outra vez sozinho e começava a sentir o cansaço. Sentia o corpo pesado, mole. Uma carapaça de banha rodeava-lhe o coração. De vez em quando, tropeçava nas pedras. Não tinha sido feito para escalar montanhas. Não devia ter subido a pé desde Couiza. Quanto lhe faltaria ainda percorrer? Levantou o olhar, avaliando a distância que o separava do seu destino. A fita pálida do caminho enredava-se e retorcia-se pela encosta da colina, tornando-se cada vez mais estreita. No cimo, o céu era uma miragem de branco e azul, onde o temível sol dominava. Passada meia hora, avistou finalmente a aldeia. Não tinha mudado nada. Continuava a ser uma aldeia miserável, perdida no meio da solidão. Um carvalho acolheu-o sob a sua sombra. Encostou as costas ao tronco, deixando-se escorregar. Chegou o momento. Voltou-se para a aldeia, fechando os olhos para se concentrar. Sentiu pensamentos confusos. Eram os dos camponeses. Momentos depois, distinguiu os pensamentos de Bérenger. O sacerdote estava perturbado e o seu espírito lutava contra um problema insolúvel. No entanto, não corria nenhum perigo. O homem de preto levantou-se mais tranquilo. Podia entrar na aldeia. Não havia nenhum inimigo em Rennes». In Jean-Michel Thibaux, O Mistério do Priorado de Sião, Rennes-le-Chatêau, 1888, 2004, tradução de Jorge Fallorca, A Esfera dos Livros, 2006, ISBN 989-626-019-2.

Cortesia de ELivros/JDACT