quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

A Princesa Guerreira. Barbara Erskine. «Jess aquiesceu, num torpor. Queres que eu vá até aí? Não. Não, Dan. Não te preocupes. Eu estou bem. Bem, sabes onde encontrar-me, se precisares de mim»

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«(…) Metodicamente, Jess começou a fazer as malas, organizando a burocracia, desfazendo os laços com o colégio e os amigos. Só durante o Verão, explicou. Quero afastar-me para estar um pouco sozinha, comigo própria. Talvez aproveite a oportunidade para pintar alguma coisa. Não disse para onde ia. Cultivou o ar de mistério. De diversão. De solidão. Não era uma coisa definitiva. Ela adorava o apartamento onde vivia. Não queria vendê-lo. Só precisava de espaço. De um lugar seguro. Um lugar onde ele não pudesse encontrá-la. Quando o telefone tocou, acabara de abrir a porta e entrar, atendeu sem a mais pequena suspeita, esperando que fosse a secretária do director, Jane, com mais burocracias para pôr em ordem. Sim? Naquele momento, estava a segurar no auscultador, na mala, nas compras e a tentar pousar as coisas em cima da mesa, com a porta da rua ainda aberta atrás dela. Como estás, Jess? Recuperada? Era uma voz abafada; profunda. Não a reconhecia. Quem fala? Os sacos das compras tinham caído no chão. Virando-se, deu os dois passos que a separavam da porta e fechou-a com estrondo, estendendo o braço para enfiar a corrente na ranhura. Will, és tu? Will telefonara-lhe duas ou três vezes, e ela recusara-se a falar com ele. Não obteve resposta. Durante alguns segundos, a ligação manteve-se; ela sentia-o, fosse ele quem fosse, do outro lado, à escuta. Depois, desligou.
Quando pousou o auscultador, Jess tinha a mão escorregadia, de suor. Sentando-se à mesa, com a cabeça enterrada nos braços, tentou acalmar a respiração. Ligar à polícia. Devia ligar à polícia naquele preciso instante. Mas como? Tomara a decisão de não contar a ninguém e manter-se-ia firme. Num movimento brusco, levantou-se e, pegando novamente no auscultador, marcou o 1471, com as mãos a tremer. Quem lhe ligara ocultara o número. Meia hora depois, o telefone voltou a tocar. Jess ficou a olhar para baixo, para o aparelho, vários minutos antes de atender. Jess? Queria confirmar contigo se tinhas recebido a papelada toda da secretária do director. Era Dan. A ligar-lhe do colégio. Como ela não respondeu de imediato, a voz dele tornou-se cortante. Jess? O que se passa? O que aconteceu?
Tenho recebido telefonemas, Dan. Quando atendo, ninguém responde. Desta vez, ele perguntou como eu me sentia. Depois, desligou. Reconheceste a voz? Não. Então, não era Will? Não, não creio. Não sei. Não disseste nada a Will a respeito do lugar para onde eu vou, pois não, Dan? Dan era a única pessoa a quem Jess confiara aquela informação; afinal, ele conhecia Steph há tanto tempo como a conhecia a ela. Tinham andado juntos na universidade. Tu obrigaste-me a prometer que eu não o faria. E não estava a brincar. Jess mordeu o lábio. - Se não foi Will, replicou ele, com lentidão, pode ter sido Ash. Jess respirou fundo, um momento. Não. Sim. Não sei. Ash é um actor. Sabe certamente disfarçar a voz, Jess. É certo que não deveria saber o teu número de telefone. Mas qualquer um seria capaz de descobrir. Pode tê-lo procurado enquanto esteve no teu apartamento. Seguiu-se uma pausa. Porque ele esteve no teu apartamento, não foi, Jess? Como ela não respondeu, Dan continuou. Ou podia tê-lo procurado no escritório de Jane, aqui no colégio. Sei que os miúdos não são autorizados a entrar, mas entram.
Jess aquiesceu, num torpor. Queres que eu vá até aí? Não. Não, Dan. Não te preocupes. Eu estou bem. Bem, sabes onde encontrar-me, se precisares de mim. Quando partes? Dentro de um dia ou dois. Assim que acabar de tratar da burocracia. Está bem, cuida de ti. Eu telefono-te amanhã, certo? A mala de viagem ficara aberta em cima da cama. Jess estava a dobrar o resto das roupas e a arrumá-las dentro da mala quando ouviu, de novo, o telefone a tocar. Deteve-se um momento, com o coração disparado, inclinando-se para chegar à mesinha-de-cabeceira e atender. Ninguém falou do outro lado. Está? Começou a tremer. Quem é? Mais vale dizer-me! Ash, és tu? Não houve resposta. Está! Abanou o auscultador. Está! Quem está aí? Do outro lado da linha, chegou uma gargalhada sufocada. Uma voz masculina. Profunda. Anónima». In Barbara Erskine, A Princesa Guerreira, 2008, tradução de Catarina Almeida, Grupo Planeta, Planeta Manuscrito, Lisboa, 2009/2010, ISBN 978-989-657-113-9.

Cortesia de PManuscrito/JDACT