sábado, 5 de janeiro de 2019

A Traidora do Trono. Alwyn Hamilton. «Rapidamente, outros exércitos chegaram ao deserto, vindos de todos os lados, tentando forjar novas alianças ou conquistar o país. Enquanto os inimigos de fora investiam contra as fronteiras do sultão»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Príncipe Estrangeiro
«Tempos atrás, no reino desértico de Miraji, havia um príncipe que desejava assumir o trono do pai. O jovem era movido pela crença de que o pai era um governante fraco e de que ele mesmo desempenharia melhor o papel de sultão. Não demorou e o jovem tomou o trono à força. Numa noite sanguinária, o seu pai e os seus irmãos caíram diante da sua espada e do exército estrangeiro que liderava. Quando amanheceu, ele não era mais príncipe. Havia-se tornado sultão. O jovem governante ficou conhecido por tomar esposas do mesmo modo que havia tomado o país: à força.
No primeiro ano de reinado, duas dessas esposas deram à luz sob as mesmas estrelas. Uma esposa havia nascido nas areias. O seu filho pertencia ao deserto. A outra esposa havia nascido do outro lado das águas, num reino chamado Xicha, e fora criada no convés de um navio. O seu filho não pertencia a lugar nenhum. Apesar disso, os garotos cresceram como irmãos, protegidos pelas mães de tudo o que os muros do palácio não eram capazes de conter. E, por um tempo, tudo correu bem no harém.
Então a primeira esposa deu à luz novamente, mas dessa vez a criança não era do sultão. Era de um djinni, com cabelo atípico e fogo sobrenatural no sangue. Por ter traído o sultão, a esposa foi alvo de sua ira, morrendo sob a força de seus golpes. Em meio à fúria, o governante nem prestou atenção na segunda esposa, que fugiu com os dois garotos e a filha do djinni, atravessando o mar até ao reino de Xicha, de onde havia sido roubada. Lá, o seu filho, o príncipe estrangeiro, podia fingir que pertencia a algum lugar. Mas o príncipe do deserto não podia fingir: ele era estranho àquela terra, assim como o seu irmão o fora na terra do sultão. Nenhum dos príncipes estava destinado a permanecer ali por muito tempo, no entanto. Logo os dois partiram de Xicha, em direcção ao mar aberto.
Por um tempo, em navios indo para qualquer lugar e vindos de lugar nenhum, as coisas correram bem para os irmãos. Eles navegavam à deriva entre uma costa estrangeira e outra, sem se fixar em parte alguma. Até que um dia avistaram Miraji da proa do navio. O príncipe do deserto lembrou-se do lugar a que realmente pertencia. Naquela enseada familiar, deixou o navio. Antes disso, no entanto, pediu que o irmão o acompanhasse, mas o príncipe estrangeiro recusou-se. As terras do seu pai pareciam-lhe vazias e estéreis, e ele não entendia a atracção que exerciam no seu irmão. Então os seus caminhos se separaram. O príncipe estrangeiro permaneceu no mar por um tempo, numa fúria silenciosa pelo seu irmão ter preferido o deserto às águas.
Enfim, chegou o dia em que o príncipe estrangeiro não aguentava mais ficar separado do irmão. Quando voltou ao deserto de Miraji, descobriu que o príncipe do deserto tinha começado uma rebelião. Ele falava de feitos e ideias grandiosos, igualdade e prosperidade. Estava cercado de novos irmãos que amavam o deserto assim como ele. Agora era conhecido como príncipe rebelde. Mesmo assim, recebeu-o de braços abertos. E por um tempo tudo correu bem.
Até que surgiu uma garota, conhecida como a Bandida de Olhos Azuis. Criada nas areias e lapidada pelo deserto, ela ardia em chamas. Pela primeira vez, o príncipe estrangeiro entendeu o que o seu irmão amava naquele deserto. O príncipe estrangeiro e a Bandida de Olhos Azuis atravessaram as areias juntos, em direcção a uma grande batalha na cidade de Fahali, onde aliados do sultão se haviam estabelecido. Os rebeldes tiveram ali a sua primeira grande vitória. Defenderam o deserto contra o sultão, que os teria queimados vivos. Libertaram o demdji que, contra sua vontade, seria transformado em arma pelo sultão. Mataram o filho do sultão que teria derramado sangue até conquistar a aprovação do seu pai. Romperam a aliança do governante com os estrangeiros que vinham maltratando o deserto havia décadas. E reivindicaram parte da terra para si. A história da batalha de Fahali se espalhou rapidamente e, com ela, a notícia de que o deserto estava aberto a novas conquistas. Miraji era o único lugar onde a magia antiga e as máquinas coexistiam; o único país com uma indústria rápida o suficiente para produzir armas para a grande guerra travada entre as nações do norte.
Olhos vorazes se voltaram para lá. Rapidamente, outros exércitos chegaram ao deserto, vindos de todos os lados, tentando forjar novas alianças ou conquistar o país. Enquanto os inimigos de fora investiam contra as fronteiras do sultão e mantinham o seu Exército ocupado, os rebeldes apoderavam-se de cidade após cidade, tirando-as das mãos do sultão e ganhando apoio popular. E por um tempo as coisas correram bem para a rebelião, para a Bandida de Olhos Azuis e para o príncipe estrangeiro. Até que a balança começou a pender contra o seu irmão. Duas dúzias de rebeldes caíram numa armadilha, cercados por um exército mais numeroso e bem armado». In Alwyn Hamilton, A Traidora do Trono, A Rebelde do Deserto 2, 2016/2017, Editora Seguinte, Companhia das Letras, ISBN 978-855-534-029-1.

Cortesia de ESeguinte/CdasLetras/JDACT