sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O Último Segredo do Templo. Paul Sussman. «Idiota!, gritou o homem do casaco de cabedal. Levantem-no! Os guardas avançaram, puseram o homem de pé e forçaram-no a carregar…»

jdact

Dezembro de 1944. Sul da Alemanha
«(…) O segundo camião tinha parado atrás do deles. O homem no lugar do passageiro, que usava um casaco de cabedal com uma gola alta e parecia estar no comando, inclinou-se pela janela, disse qualquer coisa a um guarda e acenou com a mão. Muito bem, gritou o guarda. Venham cá! Foram conduzidos para a traseira do segundo camião. A lona que a cobria foi levantada, revelando um grande caixote de madeira. Descarreguem-no! Depressa! Despachem-se!
Yitzhak e o comunista, um homem esquelético de meia-idade com um triângulo vermelho cosido à perna das calças, Yitzhak usava dois triângulos amarelos sobrepostos para mostrar que era judeu, treparam para o camião e agarraram os lados do caixote. Era pesado, tendo eles de se esforçar para conseguirem arrastá-lo pelo chão metálico até à extremidade da caixa de carga. Os outros seguraram-no e depois, lentamente, acabaram por depositâ-1o na estrada gelada.
Não,  não, não!, gritou o homem do casaco, debruçado na janela do camião. Eles que o carreguem… para ali! Apontou para lá do edifício arruinado, onde uma estreita avenida de neve virgem subia até se perder no meio das árvores, uma espécie de estrada ou caminho, presumivelmente. E certifiquem-se de que eles o transportam com cuidado! Os prisioneiros olharam uns para os outros, transmitindo silenciosamente o seu medo e exaustão, mas depois dobraram-se e içaram o caixote muito devagar, um em cada canto e dois no meio, arquejando com o esforço. Isto vai ser mau, murmurou o comunista. Vai ser muito mau...
Avançaram para a floresta com os pés a afundarem-se na neve até à barriga das pernas. Os guardas e o homem do casaco de cabedal iam atrás deles, mas Yitzhak não se atrevia a olhar em volta, com medo de perder o equilíbrio. À sua frente, o rabi tossia descontroladamente. Deixe-me aguentar um pouco do peso, sussurrou Yitzhak. Sou forte e para mim é mais fácil. És um mentiroso, Yitzhak..., grasnou o velho. E, ainda por cima mentes muito mal.
Calem-se!, ordenou um dos guardas atrás deles. Nada de conversas. Continuaram a avançar com dificuldade, gemendo de esgotamento e com a pele queimada pelo frio. O caminho, que inicialmente acompanhava um acidente de terreno numa subida relativamente suave, era agora muito mais escarpado e serpenteava continuamente por entre as árvores, enquanto a neve se tornava mais profunda. O homossexual escorregou e caiu numa zona particularmente íngrime, o que fez com que o caixote se inclinasse para a frente e embatesse num tronco de árvore. O canto superior direito do caixote estalou e estilhaçou-se. Idiota!, gritou o homem do casaco de cabedal. Levantem-no!
Os guardas avançaram, puseram o homem de pé e forçaram-no a carregar novamente o caixote sobre os ombros. A minha bota..., implorou ele, apontando para a bota esquerda que lhe saltara do pé e estava agora meio enterrada na neve.
Os guardas riram-se, pontapearam a bota para longe e ordenaram-lhes que continuassem a andar. Que Deus o ajude, sussurrou o rabi. Que Deus ajude o pobre rapaz. Continuaram a subir, cada vez mais para cima, a ofegar e a gemer, com cada passo a sugar-lhes um pouco mais da vida que lhes restava, até que, no momento em que Yitzhak estava certo de que ira cair e morrer, o trilho se tornou repentinamente plano e emergiu do meio das árvores para o que parecia ser uma pedreira abandonada, profundamente cortada no flanco da serra. Nesse mesmo instante, as nuvens abriram-se e revelaram uma enorme montanha a pairar sobre eles; ao longe, à direita, um pequeno edifício empoleirado na beira de uma falésia. A visão durou apenas alguns segundos e perdeu-se novamente por detrás de uma cortina de nevoeiro, desaparecendo tão rapidamente, que Yitzhak pensou se não a teria apenas imaginado por causa da exaustão e do desespero». In Paul Sussman, O Último Segredo do Templo, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN 978-972-253-056-9.

Cortesia de BEditora/JDACT