quinta-feira, 4 de novembro de 2021

The Feynman Lectures on Physics. Richard P. Feynman. «O que vinha para Feynman por senso comum geralmente eram brilhantes reviravoltas que captavam com perfeição a essência do seu argumento»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Perto do fim da vida, a fama de Richard Feynman transcendera as fronteiras da comunidade científica. Suas proezas como integrante da comissão encarregada de investigar as causas do desastre da nave espacial Challenger lhe renderam ampla exposição; da mesma forma que um best-seller sobre as suas aventuras picarescas transformou-o num herói folclórico quase das proporções de Albert Einstein. Mas já em 1961, antes mesmo que o Prémio Nobel lhe aumentasse a visibilidade junto ao grande público, Feynman era mais que simplesmente famoso entre os membros da comunidade científica, era uma figura lendária. Não há dúvida de que o extraordinário poder do seu ensino contribuiu para disseminar e enriquecer a lenda de Richard Feynman.

Feynman foi de facto um grande professor, talvez o maior de sua era e da nossa. Para ele, o auditório era um teatro e o palestrante, um actor, responsável por oferecer à plateia tanto drama e arrebatamento quanto factos e números. Andando de lá para cá diante da classe, os braços agitados, ele era a combinação impossível do físico teórico e do pregoeiro circense, todo movimento corporal e efeitos sonoros, escreveu The New York Times. Quer se dirigisse a uma plateia de estudantes e colegas, quer ao público em geral, o facto é que para os bastante afortunados em assistir em pessoa a uma das suas palestras a experiência costumava ser nada convencional e sempre inesquecível, como o próprio homem. Feynman era o mestre da grande arte dramática, especialista em prender a atenção do público de qualquer auditório. Muitos anos atrás, ele ministrou um curso sobre mecânica quântica avançada para uma ampla classe composta de uns poucos estudantes de pós-graduação inscritos e, na maior parte, de professores de física do Caltech. Durante uma palestra, ele se pôs a explicar como representar certas integrais complexas diagramaticamente: tempo neste eixo, espaço naquele, linha ondulada para esta linha recta, etc. Após descrever o que o mundo da física conhece como diagrama de Feynman, voltou-se para a classe e, sorrindo maliciosamente, anunciou: E isto aqui é chamado O diagrama! Feynman chegara ao desfecho, e o auditório prorrompeu em aplausos espontâneos. Por muitos anos depois de proferidas as palestras que redundaram neste livro, Feynman actuou ocasionalmente como conferencista convidado do curso de introdução à física do Caltech. Naturalmente, afim de que houvesse lugar no auditório para os estudantes inscritos, suas aparições tinham de ser mantidas em sigilo. Em uma dessas palestras, o tema era o espaço-tempo curvo, e Feynman foi caracteristicamente brilhante. Mas o momento mais inesquecível se deu no início da conferência: a supernova de 1987 acabara de ser descoberta, e por conta disso Feynman mostrava enorme entusiasmo. Disse ele: Tycho Brahe teve sua supernova, e Kepler, a sua. Depois disso, não houve outra por 400 anos. Mas agora tenho a minha. A plateia silenciou, e ele prosseguiu: Existem 1011 estrelas na galáxia. Isso costumava ser um número imenso. Mas são apenas cem milhões.

Menos do que o defi cit nacional! Costumávamos chamá-los de números astronómicos. Agora deveríamos chamá-los de números económicos. A classe caiu na gargalhada, e Feynman, tendo cativado a audiência, seguiu em frente com a sua palestra. Dotes dramáticos à parte, a técnica pedagógica de Feynman era simples. Um resumo da sua filosofia de ensino foi encontrado entre seus papéis nos arquivos do Caltech, numa nota que rabiscara para si mesmo quando da sua estada no Brasil, em 1952: Em primeiro lugar, descubra porque quer que os alunos aprendam o tema e o que quer que saibam, e o método resultará mais ou menos por senso comum.

O que vinha para Feynman por senso comum geralmente eram brilhantes reviravoltas que captavam com perfeição a essência do seu argumento. Certa vez, durante uma palestra pública, tentava explicar porque não se deve verificar uma ideia utilizando os mesmos dados que a sugeriram originalmente. Parecendo desviar-se do tema, Feynman começou a falar sobre placas de automóvel. Sabem, esta noite me aconteceu a coisa mais incrível. Estava vindo para cá, a caminho da palestra, e entrei no estacionamento. Não vão acreditar no que aconteceu. Vi um carro com a placa ARW 357. Podem imaginar? De todas as milhões de placas do Estado, qual era a chance que eu tinha de encontrar justamente essa placa esta noite? Incrível! Um ponto que muitos cientistas são incapazes de captar era esclarecido mediante o notável senso comum de Feynman. Nos 35 anos em que esteve no Caltech (de 1952 a 1987), Feynman actuou como professor de 34 cursos. Vinte e cinco deles eram cursos de pós-graduação avançados, estritamente limitados a estudantes de pós-graduação, a menos que alunos de graduação pedissem permissão para frequentá-los (o que não raro faziam, e a permissão quase sempre era concedida). O restante eram sobretudo cursos introdutórios de pós-graduação.

Apenas uma vez Feynman ministrou cursos exclusivamente para alunos de graduação, e isso foi na célebre ocasião, nos anos 1961-1962 e 1962-1963, com uma breve reprise em 1964, em que proferiu as palestras que se tornariam As Lições de Física de Feynman. Na época, havia um consenso no Caltech de que os caloiros e os segundanistas estavam sendo desestimulados, em vez de incentivados, pelos dois anos de física compulsória. Para remediar a situação, solicitaram a Feynman que planeasse uma série de palestras a serem ministradas aos estudantes no decorrer de dois anos, primeiro a caloiros e depois à mesma classe no segundo ano. Tão logo ele concordou, decidiu-se imediatamente que as palestras deveriam ser transcritas para publicação. A tarefa, contudo, resultou bem mais difícil do que qualquer um imaginara. Transformar as conferências em livros publicáveis exigia um tremendo volume de trabalho por parte dos seus colegas, assim como do próprio Feynman, que realizou a revisão final de cada capítulo. Além disso, era preciso lidar com os aspectos práticos de ministrar um curso. Essa tarefa era altamente complicada pelo facto de que Feynman tinha apenas um vago esboço do que queria abordar. Como resultado, ninguém sabia o que ele iria dizer até que estivesse diante do auditório abarrotado de estudantes e o dissesse. Os professores do Caltech que o auxiliavam dariam então o melhor de si para tratar de detalhes rotineiros, como elaborar problemas para trabalhos de casa». In Richard P. Feynman, 1963, The Feynman Lectures on Physics, Lições de Física de Feynman, Robert B. Leighton, Matthew Sands, tradução Adriana V. Roque Silva, Kaline Rabelo Coutinho, 2008, ABDR, Bookman, 2008, ISBN 978-857-780-321-7.

Cortesia de ABDR/Bookman/JDACT

JDACT, Richard P. Feynman, Ciência, Física, Cultura e Conhecimento, O Saber, Nobel,