terça-feira, 31 de outubro de 2023

No 31. Volker Reinhardt. Alexandre VI. «… estava também fora de questão que ele, como pai de todos os cristãos, contanto que fosse para defender os interesses da Igreja, tivesse o direito de pôr limites nas acções do rei, seu antigo patrão»

Cortesia de wikipedia e jdact

De Xátiva a Roma. 1378-1458. As Origens dos Bórgias

«A nomeação de Rodrigo a bispo de Valência elevou ainda mais a sua posição e aumentou seus rendimentos. E, pouco depois, ao elevado posto dentro da Igreja, juntou-se também uma posição de liderança secular. Calisto III nomeou seu talentoso sobrinho, sem a menor cerimónia, como capitão das tropas papais na Itália. Um cardeal como general: isso foi uma ofensa para muitos. A enorme quantidade de postos atribuídos a outro sobrinho, Pedro Luís, irmão de Rodrigo, também provocou escândalos. Ele recebeu numerosos cargos no Estado Pontifício, entre eles a castelania do Castelo de Santo Ângelo. Como resultado, passou a comandar a inexpugnável fortaleza da cidade de Roma: uma prevenção para os tempos de crise.

Pedro Luís, que estava destinado a ser o herdeiro da aristocrática dinastia Bórgia, ganhou, acima de tudo, os feudos que tinham sido perdidos pelos barões romanos. Indo ao encontro desses propósitos, especialmente nos territórios dos Orsini, foram tomados todos os castelos, com seus respectivos direitos de jurisdição, tributação e recrutamento de tropas. A sua amargura foi ainda maior quando o cardeal Orsini, o fazedor de papas, contabilizou recompensas no lugar de desapropriações. Calisto derrotou os Orsini, mas o que ele queria mesmo era atingir seu patrão, o rei Afonso. As suas relações com Nápoles tinham piorado rapidamente.

A exigência do monarca de continuar a condescender com ele nos âmbitos políticos do clero, ou seja, nomear candidatos convenientes para o bispado e conceder lucrativos prestimónios ao seu protegido, foi considerada um atrevimento e, por isso, recusada. O papa já não tinha a menor predisposição para esses servicinhos de capelão. A situação progrediu de tal maneira que chegou a recusar favores a Afonso, favores esses que concedia em provocante abundância aos membros de sua família.

Divergências políticas importantes agravaram a contenda. Calisto acreditava ter identificado, na táctica dilatória de Nápoles, o principal obstáculo para a realização de seu grande plano, que era reprimir os otomanos. No Outono de 1457, o rei ameaçou o papa com concílio e deposição; este, por sua vez, ameaçou o rei com privação de enfeudamento. De repente, como em uma poderosa encenação teatral, no ápice do conflito, um dos dois protagonistas retirou-se do palco. Em 27 de Junho de 1458, morreu Afonso V, de cognome o Magnânimo. Mesmo com idade avançada, seu adversário começou a entrar em acção. Ele proibiu o filho ilegítimo de Afonso, Fernando de Aragão, mais conhecido como Dom Ferrante, sucessor designado para a região continental do sul da Itália, de usar seu título de rei. Revogou ainda o juramento de fidelidade de seus súbditos e assumiu o reino como um feudo que fora devolvido à Igreja.

Ao mesmo tempo, o papa concedeu a Pedro Luís a função de comandante supremo das tropas que liderariam a inevitável guerra contra Nápoles. Além disso, transferiu para seu sobrinho o vicariato de Benevento e Terracina, que tinha sido ocupado pelo falecido monarca. O nepote regia esse enclave romano no reino de Nápoles, como o título mesmo indica, literalmente como substituto do papa; a experiência demonstrou, contudo, que esses vicariatos, de facto, transformaram-se rapidamente em grandes domínios autónomos. Como já mostrado no drástico agravamento das relações com os Orsini, essa concessão demonstrava também o que os Bórgia realmente tinham em vista: o trono de Nápoles.

Isso revelava uma crescente cobiça e, ao mesmo tempo, um momento crucial na história do papado. No Verão de 1458, iniciou-se a fase do nepotismo territorial. A partir disso, foram muitos os papas dispostos a correr quaisquer tipos de risco para tentar conquistar um território cada vez maior e mais independente como estado de família e, com isso, precipitar o panorama político da Itália em um abismo de turbulências. Era a coisa mais natural do mundo para os contemporâneos daquela época que um papa deixasse de ser aquilo que tinha sido como cardeal, ou seja, um servo fiel de seu Senhor. Em outras palavras: ninguém contestou o direito de Calisto estabelecer novas bases para as relações com Nápoles. De acordo com as elevadas exigências de seu posto, estava também fora de questão que ele, como pai de todos os cristãos, contanto que fosse para defender os interesses da Igreja, tivesse o direito de pôr limites nas acções do rei, seu antigo patrão.

No entanto, um corte abrupto de todos os laços, uma ruptura tão grosseira de todas as esferas de lealdade, como sucedeu em Julho de 1458, quando o papa negou todo e qualquer apoio a Ferrante, violou não só o sentimento de justiça, mas também a decência política. Uma coisa dessas não se fazia assim tão facilmente. Isso não foi apenas uma violação a todas as normas de piedade, mas também contra o espírito de Lodi. Além do mais, por trás de tudo isso via-se um insólito véu de arrogância. Quem eram, afinal, esses Bórgia para se sentar no trono da casa real dos Aragão?» In Volker Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o Papa Sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN 978-857-960-127-9.

Cortesia de EEuropa/JDACT

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