sábado, 19 de junho de 2010

Manuel Inácio Pestana: D. Jorge de Melo em Portalegre. O bispo, a história e a arte

Cortesia de IPPAR
Quem tiver alguma notícia a respeito do conhecido e sempre nomeado Convento de S. Bernardo, de Portalegre, saberá ao certo quem foi D. Jorge de Melo.
Relembremos, no entanto, a sua figura, a sua obra, a sua personalidade, a sua presença em Portalegre e as consequências que desta circunstância derivaram para a cidade, sua história, fama e glória. Pouco se sabe, tanto quanto seria desejável, a respeito de D. Jorge de Melo. Não está feita a biografia completa. Dados disponíveis são apenas notas, algumas notas, e registos dos estudiosos da história da Igreja em Portugal, donde os coordenadores de enciclopédias e dicionários históricos retiram os apontamentos mínimos para informarem de modo genérico o público curioso.
 
Cortesia de IPPAR
«O Mosteiro de São Bernardo de Portalegre, cujo orago é dedicado a Nossa Senhora da Conceição, foi fundado em 1518 por D. Jorge de Melo, bispo da Guarda, para albergar "donzelas sem dote". As obras deste complexo monástico iriam arrastar-se ao longo de todo o século XVI. Em 1526 um alvará régio de D. João III confirmava a doação, por parte do concelho de Portalegre, do sítio da Fontedeira às religiosas do novo mosteiro, iniciando-se as primeiras construções. Quatro anos mais tarde estavam já erigidas a igreja e dependências como o dormitório, a casa do capítulo e o refeitório. Não obstante o avanço destas obras, a consagração da igreja só seria feita em 16 de Março de 1572 pelo bispo de Portalegre, D. André de Noronha. O templo do mosteiro possui planta em cruz, dividida em três naves, sendo a cabeceira composta por capela-mor, actualmente sem altar, e duas capelas colaterais. Esta estrutura interior mostra-se ainda devedora das linhas de "raiz tardo-medieval muito portalegrense" (BUCHO, Domingos, 1994), relegando o espaço centralizado dos templos de cariz clássico que já então se explorava em muitas edificações religiosas, e optando por desenvolver uma estrutura "manuelina" nas abóbadas nervadas que cobrem as naves e o espaço da capela-mor.
Cortesia de IPPAR
A estrutura interior do templo denota as diversas campanhas de obras levadas a cabo em diferentes épocas. Do século XVI subsistem o púlpito em mármore de Estremoz, decorado por motivos grotescos, bem como o portal principal do templo e o túmulo de D. Jorge de Melo, edificados entre 1538 e 1540, obras de grande erudição atribuídas a Nicolau de Chanterenne (PEREIRA,Paulo, RODRIGUES,Jorge, 1988, pp.40-41). O túmulo do fundador tem levantado inúmeras questões, tanto no que respeita à sua autoria como no que se relaciona com a leitura dos elementos iconográficos. Se as enigmáticas siglas A.I.O., esculpidas na base do corpo inferior do túmulo, têm contribuído para que a autoria de Chanterenne tenha sido posta em causa, as peças escultóricas, que indicam a coexistência de duas temáticas diferentes na composição tumular - o culto mariano e a alegoria da Morte - mostram-nos algumas dissemelhanças ao nível do trabalho escultórico. Desta forma, considera-se a hipótese de o túmulo ter sido executado por dois mestres, tendo talvez sido aproveitado um altar primitivo da igreja como elemento central da composição da arca tumular (GASPAR,Diogo, 1998, pp.10-13). Acima de tudo, o imponente monumento funerário, de que se destacam algumas peças de grande qualidade, nomeadamente os motivos grotescos, as representações de Santa Ana e São Joaquim, a figura do jacente que retrata o fundador e os bustos de São Pedro e São Paulo, é o símbolo de afirmação pessoal de D. Jorge de Melo enquanto mecenas humanista. A campanha barroca dotou o templo de diversos painéis de azulejos, elaborados cerca de 1739, que decoram tanto o espaço interior, nomeadamente as capelas laterais e a capela-mor da igreja, o transepto, a nave e o nártex, como o alpendre exterior, quase todos com representações da vida de São Bernardo.
Túmulo de D. Jorge de Melo
O portal principal do templo mostra-nos um programa decorativo de grande qualidade escultórica, numa linguagem erudita repleta de motivos grotescos, com representações de motivos guerreiros, mascarões, seres híbridos, havendo evidentes referências ao fundador do convento, como o relevo com as armas do bispo da Guarda, inseridas no frontão do portal. A fachada original foi substituída por um portal alpendrado construído possivelmente no século XVII, cujo interior foi forrado com painéis de azulejos setecentistas. Em 1878 o Convento de São Bernardo de Portalegre foi extinto, e a partir do ano seguinte passaria a funcionar neste espaço o Seminário diocesano. Na I República, em 1911, o convento seria convertido em quartel, e entre 1932 e 1961 funcionou na igreja o Museu Municipal de Portalegre. In IPPAR/2004, Catarina Oliveira.
 
(D. Jorge de Melo em Portalegre, de Manuel Inácio Pestana), a última lição do Professor (26Junho1993).
Cortesia de IPPAR/Ibn Maruán nº 4, 1994, CMMarvão/JDACT